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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

FELIZ ANO NOVO????*

Quando eu era criança, amava o Natal.
Ver minha avó montando a árvore e o presépio era demais. Era tão grande e tão iluminado que os vizinhos vinham em casa só para vê-lo. Além disso, os presentes eram lindos. Ganhava sempre carrinhos. Um presente que me marcou, foi uma Cegonheira vermelha com vários carrinhos. Outro, foi um carrinho com controle remoto chamado Stratus. Nossa, foi "show!"
Claro que nem vou falar das comidas.
Mas os Anos Novos, não me lembro. Sempre tinha uma enorme expectativa e nada acontecia. Sempre imaginava que tudo seria novo. Enquanto as pessoas ficavam vendo os fogos, eu ficava olhando no espelho para ver se eu mudaria em algo. Nada mudava.
Depois da ceia, ia correndo dormir para acordar e ver as mudanças no Ano Novo. Acordava e esperava encontrar tudo diferente; outra casa, outra rua, outro mundo.
Com o passar de tantos Anos Novos, comecei a entender que nada mudava.
Os Anos Novos serviam apenas para nos deixar mais velhos.
Todo ano eu via minha mãe mudar o calendário e eu ir para a escola para um ano mais difícil. Pensei que quando o ano mudasse e fosse Ano Novo tudo ia ser diferente, mas não era. Tudo era igual. Tudo estava sempre no mesmo lugar. O tempo passou e eu tive cada vez mais essa certeza. Nada de novo no Ano Novo. Os mesmos problemas, os mesmos sonhos e a mesma velha esperança.
Quando minha filha nasceu, ensinei a ela desde pequena que esse papo de Papai Noel não existe. Dou duro o ano todo e esse tal Papai Noel é que leva os créditos?
Não... ah, não! Comigo não!
.
QUE SEU CALENDÁRIO SEJA BEM BONITO
E QUE VENHAM SENTIMENTOS BONS E QUE SE RENOVE A FÉ NESTE ANO DE 2010.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

PALPÉRRIMO*

Sem ter absolutamente nada, Antônio sai de casa às cinco horas da manhã para procurar emprego. Sem qualificação e sem nunca ter tido carteira assinada, vivia de "bicos" que conseguia arrumar por aí. Era o típico nordestino, que desembarcara em São Paulo, sonhando com dias melhores.
Hoje, pai de cinco filhos, via a angústia de sobreviver das esmolas e das migalhas que jogavam em seu chão. O filho maior tinha seis anos e o menor, apenas 2 meses.
A mulher, com os seios flácidos, estava ali, sentada na beira da cama, pensando o que iria dar para os filhos se alimentarem.

Antônio, muitas vezes, andava o dia inteiro. Era homem que não temia trabalho. Era jardineiro, encanador, mecânico, borracheiro, eletricista, soldador, carpinteiro, marceneiro, pedreiro, pintor. Tudo o que a vida ensinou. Era forte, dotado de músculos e de uma gentileza irreconhecível nos dias de hoje. Às vezes, ganhava o suficiente para o pão e o leite das crianças. A mulher, por causa dos filhos pequenos, não trabalhava. Apenas cuidava do barraco onde moravam. Casa pobre de apenas dois cômodos. O banheiro ficava na parte de fora do barraco, o que expunha todos às mais diversas e possíveis doenças. Os móveis, em sua maioria foram achados nas muitas andanças de Antônio por aí. Não tinham televisão. A luz elétrica era puxada do poste da avenida central e nunca, nunca veio alguém para reclamar. A água era também puxada dos diversos canos e emendas. Cada barraco recebia um filete apenas de água. O banho era em canecas de água. Uma vida com certeza injusta, diante de tudo o que já havia passado. Mesmo assim, a fé parecia ser inabalável.
Antônio não conhecia ninguém nessa megalópole chamada São Paulo. Male má conhecia os vizinhos. Moravam em uma dessas milhares de favelas. Uma vida de sacrifício. Não havia prazer algum. A não ser o prazer de estarem todos reunidos quando a noite chegava. Antônio era um pai dedicado. Adorava fazer os filhos menores darem risadas. Colocava-os para dormir e se espremia na cama com a mulher. Naquele momento, parecia enfim que eram um só.
De manhã antes de sair, café preto quando havia e pão seco. Os dias se faziam dessa maneira. Algumas vezes, a mãe era obrigada a sair com os filhos pequenos para pedir comida. Algumas pessoas caridosas doavam alimentos, doavam roupas. A vida se desenhava de modo amargo.
Naquele dia, Antônio não tinha dinheiro para pegar o ônibus. Tinha que ir a pé. Eram pelo menos cinco quilômetros até o centro da cidade. Pensou que podia conseguir algum emprego, fazer algum "bico". Andava com suas ferramentas de jardinagem. Era o que mais conseguia; cortar o mato de algum jardim. Mas a sua aparência não ajudava muito. Estava abatido. As roupas estavam surradas. Os sapatos sujos e quase todo remendado. Não passava muita confiança. As pessoas cada vez mais escravas da boa aparência.
Antônio estava cansado. Parou em um bar e pediu um copo de água. Aquela água refrescava e dava mais força. Não pensava como iria voltar. Queria apenas garantir o pão das crianças e quem sabe o leite, o arroz, um pacote de bolacha. Sua mulher se humilhava mais. Antônio preferia oferecer trabalho a esmolar. Por isso, muitas vezes voltava para casa sem nada. Quantas vezes dormiu com fome para não tirar o pouco das crianças.
Estava passando em frente de uma bela casa, com um enorme jardim. Resolveu tocar a campainha e oferecer seus serviços como jardineiro. Demoraram um pouco para atender. Percebeu que tinha gente na casa, pois sentiu que o espiavam da janela. Antônio pegou a tesoura de cortar grama e mostrou. Um sinal fez com que aguardasse. Da lateral da casa, surge um velho senhor arrastando os passos.
- Pois não!
- Oi, eu faço trabalho de jardinagem...

domingo, 20 de dezembro de 2009

CULPAS*

Claro que a culpa foi minha.
Claro que procurei chifres em cabeça de cavalo.
Claro que tenho que escrever em primeira pessoa. Para que mentir? Para que inventar e dizer que não foi comigo que aconteceu? Foi sim, foi comigo e a culpa foi minha. Eu me deixei levar. Queria sentir a emoção de viver todos os riscos e corri e vivi e foi uma "merda".
A mulher era bonita, mas fria demais. Fumava e eu detestava. Era loira e minha preferência são as morenas (eu as acho muito mais quentes). Magra demais e além de tudo isso, na hora "H" perguntou se eu gostava de lingerie vermelha. Odeio lingerie vermelha e para mim nem fica bom mesmo.
Mesmo assim, deixei-me levar.
Parecia que era uma troca de favor.
Ela mentia que gostava de mim e eu fingia que acreditava, mesmo colocando meu casamento em risco.
O engraçado é que quando qualquer coisa começa com mentira, pode apostar que não dá certo. Eu menti, ela mentiu, mentimos.
O pior de tudo é que fizemos juras de amor eterno.
Tranquei a faculdade, tive uma briga de 12 horas com minha mulher que, desconfiada, aproveitou minha ausência para mexer em minha pasta e encontrou um e-mail que eu havia impresso (outra burrice).
Eu desenhei desde sempre uma história diferente.
Achava que ter uma amante era algo bacana, que daria uma nova cor e uma nova emoção para a vida. "Porra" nenhuma!
Acabou com minha inspiração. Foi o tempo que mais deixei de escrever.
O que ela tinha de melhor; o largo sorriso, o abraço e o papo que aconteceu uma vez até às seis horas da manhã.
Eu estava louco ou estava querendo ficar.
Trocar uma relação sólida, um casamento de mais de 15 anos por um relacionamento que não me dava nenhum prazer? Eu era uma besta mesmo!
Ainda se tivesse valido à pena... Que nada.
Ficaram apenas as cicatrizes de mais uma "cagada" e das feias.
Mas eu aprendi. Aprendi da pior maneira. Não se deve gostar de ninguém por fotografia, não deve ceder quando uma mulher pede seu abraço.
Sua mulher é sempre a melhor porque só ela atura você de verdade.
Voltar é sempre melhor.
"Eu te amo", virou moda; lingerie vermelha, é loucura; cigarro de cravo me dá ânsia...
Antes de amar alguém, conheça sua alma, seja antes de mais nada, seu amigo.
Nunca falei disso para ninguém. Mas por que calar? Já estava na hora de tirar de vez essa história de mim. Não quero mais errar como errei e sentir de novo a culpa que eu senti.

domingo, 13 de dezembro de 2009

CONSCIÊNCIA*

Existem acontecimentos que passam em branco em nossa vida e outros que nos marcam definitivamente.
O que aconteceu comigo não passou, ficou, marcou e está presente todos os dias na minha vida.
Certa vez, logo que eu comprei meu primeiro carro, estava feliz, querendo mostrar o carro para todos os amigos e familiares. Eu tinha 22 anos. Sentia-me no auge. Saí com alguns amigos para comemorar. Ficamos em um bar até altas horas. Depois, fiquei responsável de levar cada um para sua casa e assim fiz.
Levei o Carlos para a Região de Santo Amaro, depois o Marcelo que morava na Região da Vila Mariana, a Claudia que morava na região das Perdizes e Roberta, na região central.
Deixei um por um em suas casas e depois fui para minha casa na região leste de São Paulo. Passavam das três e meia da manhã. As ruas estavam desertas.
Quando passava por uma avenida, vi uma mulher acenando.
Seu carro estava encostado no meio fio.
Os piscas alertas acessos. Parecia desesperada. Não pensei duas vezes. Encostei o carro, desci e fui em sua direção. Não podia imaginar o que poderia acontecer. Assim que me aproximei dela percebi que ela não estava sozinha. Dois homens surgiram detrás do seu carro com armas em punho e pediram a chave do meu carro. Não pude fazer nada. Fiquei sem meu carro.
Naquele momento, jurei que nunca mais pararia meu carro para dar assistência para alguém, fosse quem fosse.
Os anos passaram, fiquei muito tempo a pé juntando novamente dinheiro para comprar outro carro.
Trabalhava muitas horas por dia, não saía aos finais de semana, não viajava, não saía com amigos, não fazia nada. Queria minha liberdade novamente. Queria sentir a mesma emoção. Aprendi a não depender de ninguém e naquele momento, o carro me daria tudo o que eu precisava.
Tinha aprendido a lição.
Foram dois anos guardando dinheiro, sobrevivendo. Dois anos de negação a tudo. Não namorava, vivia apenas para o trabalho. Consegui comprar um carro melhor do que eu tinha antes.
Era maravilhosa aquela sensação. Ouvir o barulho do motor. A liberdade de ir a qualquer hora para qualquer lugar. Eu estava muito mais precavido.
Não ficava até tarde na rua, não havia mais esse papo de levar amigos para casa.
Não desviava meu caqminho. Tinha o carro para me servir.
Mas o destino nos coloca sempre entre a cruz e a espada.
Eu havia acabado de deixar um casal de amigos na estação do Metrô e estava indo para casa.
Já passava da meia noite.
Uma cena me chamou a atenção e remeteu-me de imediato ao que acontecera.
Um carro parado, pisca alerta acesso e uma mulher aparentemente grávida estava sentada no chão.
Diminui a velocidade e passei devagar por ela. Ela chorava e pedia pelo amor de Deus que eu a ajudasse. Não ajudei. Fiquei olhando pelo retrovisor e segui viagem. Aquela cena não saiu da minha cabeça. Dirigia atormentado com aquela incerteza. E se ela estivesse mesmo grávida e se ela estivesse mesmo precisando de ajuda?
Parei o carro em um posto de gasolina e liguei para o socorro. Informei o ocorrido e o endereço e fui informado que o socorro estava a caminho.
Dei meia volta e passei novamente no local onde estava aquela mulher. O carro continuava lá.
Outros carros haviam parado. Senti-me mais seguro e parei também. Ela estava na calçada e estava em trabalho de parto.
Escutei a sirene do carro de resgate. Prontamente começaram os procedimentos.
Aquela mulher se contorcia de dor e os paramédicos realizaram o parto ali mesmo.
Um homem também estava desesperado. Era o marido daquela mulher. Ele dizia aos policiais que o carro teve uma pane e ele saiu para pedir socorro pois estava levando sua mulher para o hospital. Na pressa, havia esquecido o celular e tudo mais. Quando chegou, encontrou sua mulher caída.
Ela dizia que um carro passou e que não quis parar para ajudá-la. Enquanto conversava com os policiais, os paramédicos disseram que não foi possível salvar a criança e que a mãe ia para o hospital mais perto pois estava com hemorragia. A ambulância saiu gritando rumo ao hospital.
Eu voltei para o meu carro. Estava abalado. Sem saber o que pensar, sem saber o que sentir. Fiquei pensando... E se eu tivesse parado e socorrido aquela mulher?
Não sei porque certas coisas acontecem em nossa vida... Até hoje não sei ao certo o que pensar...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

COINCIDÊNCIAS

Todo mundo sabe ou deveria saber que São Paulo é um cidade gigantesca. Gente indo e vindo a qualquer horário e sempre. Milhões de pessoas. O que torna a cidade de São Paulo interessante é que por maior que seja sempre se encontra alguém que se conhece ou se conheceu andando pelas ruas. Paulista, Faria Lima, nos shoppings, cinemas, teatros ou até mesmo no centro de São Paulo. Sempre há um rosto conhecido e passos se encontrando.
E foi assim...
Sai da empresa aquele dia as vinte e duas horas. A noite estava abafada, quente demais. Eu não estava com menor vontade de ir para casa. Nunca gostei de dormir cedo. Resolvi pegar o carro e dar uma volta por essa cidade que não para. São Paulo não dorme. Nas ruas muitas pessoas. Bares lotados, rodas de amigos, muita gente. Desci a Sena Madureira rumo ao Ibirapuera. Liguei o som, tirei a gravata. Dirigia devagar, eu não tinha a menor pressa. Passei pelo Ibirapuera, Detran, 23 de Maio, Paulista que eu amava e acabei caindo propositalmente na Rua Augusta, um ponto de prostituição, de boates, cafetões e tudo o que gente solitária procura. Deixei o carro em um estacionamento e fui andar um pouco. Ia passando pelos inferninhos e era quase puxado para dentro. Devagar ia olhando tudo. Resolvi entrar em uma dessas boates. O ambiente era escuro, mas puder ver um grande números de garotas se exibindo. Umas com seios à mostra, outras de bikini, outras aparentemente normais. Parecia um açougue onde vc entra e escolhe um tipo de carne, mais gorda, mais magra, no ponto. Fui até o bar e pedi uma cuba libre. Fiqui alí olhando o movimento. Não pensava em nada. Não demorou e uma garota veio falar comigo, Rápida, direta e objetiva:
- Oi, meu nome é Alice, estava com uita vontade de sair daqui e ir para outro lugar. Tá muito quente e você me parece ser um cara legal.
Eu fiquei olhando aquela menina. Devia ter entre 19 e 20 anos. Não mais que isso. Tinha a pele branca, seios pequenos e um jeito meigo. Se eu a visse andando por ai, não diria que era uma garota de programa.
- Por que eu sairia com você?
- Você não está a fim é só dizer. Virou as costas e saiu. Pude olhar, seria uma bela mulher com certeza. O que será que uma mulher como Alice teria para me oferecer. Ela não deveria ter muita experiência. Fiquei pensando, seria mesmo muito bom sair dali e ter uma companhia agradável para dar um volta. Parei uma moça que passou e perguntei por Alice:
- Faz uns 10 minutos que ela saiu.
Paguei minha cuba e sai. Fui pegar o carro decidido esquecer o que houve e ir para casa. Precisava de um banho e minha cama. Sai do estacionamento e comecei a subir a Rua Augusta. Passando pelo ponto de ônibus vi Alice parada. Parei o carro, desci e fui até ela.
- Oi, eu procurei por você mas já havia saído. Quer uma carona? Deixo você em casa.
- Por que eu devo confiar em você se você não confiou em mim?
- Alice me desculpe, não foi por mal. Nunca vi uma garota pedir pra sair. Achei que isso não acontecesse. Apenas por isso. Deixa eu te dar uma carona?
- Tá bom, mas não estou a fim de ir para casa. Tô com fome.
- Vamos comer alguma coisa.
Ela entrou no carro, jogou sua bolsa no banco de trás, tirou a sandália alta e cruzou as pernas sobre o banco do carro. Estava definitivamente a vontade.
Eu dirigia sem saber ao certo para onde iria com aquele mulher.
- Onde você mora Alice?
- Meu nome não é Alice é Carla. Ana Carla. Eu moro aqui perto no centro.
- Mora sozinha?
- Com minha mãe.
As luzes dos postes passavam sem pressa por nós.
- Tem algum lugar que queria ir?
- Queria comer uma pizza?
- Tá bom. Vamos comer pizza. Eu também estou com fome.
Fomos para uma pizzaria na região do Itaim Bibi. Perto de onde eu morava. Havia uma que fechava bem tarde e eu conhecia. Sempre frequentava lá com amigos. Ela tinha uma boa aparência. Era uma mulher bonita. Sabia conversar. Ficamos ali sentados, bebendo vinho e comendo pizza. Olhei no relógio, eram duas horas da manhã.
- Bem, amei a noite, vou levar você pra casa. Amanhã levanto cedo.
- Tudo bem prevísivel. Só falta você dizer que é casado com uma mulher chata, dizer que está num final de relacionamento, que tem um filho problemático, essas coisas.
- Não sou casado, não tenho uma mulher chata, não tenho filhos, moro sozinho, sou dono da minha vida.
- Ah então vamos para a praia.
- Praia, fazer o que na praia?
- Ver o sol nascer, ver o mar, escutar as ondas.
- Não posso. São duas da manhã.
- Por favor, por favor.
Alguma coisa naquela mulher me fascinava. Não sei se essa falta de compromisso, se o espírito de aventura. A juventude despretensiosa. Sempre me relacionei com mulheres mais velhas. Centradas. Mulheres que adoravam chamar a atenção e que detestavam qualquer aventura. Ir para a praia de madrugada jamais.
- Então vamos, mas bate e volta.
- Bate e volta eu prometo que não vou abusar de você.
Eu confiava naquela menina disfarçada de mulher. Eu acabei de conhecê-la mas eu confiava nela. Abasteci o carro e fomos para o Litoral. Eu estava cansado, mas sem sono. Ela encostou no meu ombro e dormiu. A estrada estava vazia. Meu pensamentos voavam. Pensava em tudo e não pensava em nada. Lembrava da empresa e dos compromissos e esquecia. Pensava naquela loucura que eu estava fazendo e naquela mulher alí. Uma desconhecida. Ela deveria com certeza ter uma história de vida que enlouqueceria qualquer um. Senti uma vontade de protegê-la conseguia vê-la como uma mulher, como uma garota de programa.
Chegamos em Santos as 3 e meia da manhã. Ela acordou quando eu procurava um lugar para estacionar.
- Chegamos meu amor!
Meu amor??? Aquelas palavras me pegaram desprevenido. Senti o sangue ferver.
- Amor, você não tá cansadinho. Vamos para um hotel.
Estava sem palavras. Boate, passeio, pizza, praia e agora hotel. Uma leve excitação tomou conta de mim. Fui em busca de hotel beira mar. Arrumamos um quarto e fomos juntos. Ela agarrou em meu braço até o quarto. Abri a porta e ela foi e se jogou na cama e dormiu. Deitou e dormiu na mesma posição. Tirei suas sandálias, cobri seu corpo e fui tomar um banho. Estava exausto.
Depois do banho deitei do seu lado e dormi. Acordei com o sol na janela. Ela estava deitada em meu peito. Abraçada, jogada em mim. Seu perfume me seduzia.
- Aninha... Ana... Acorda...
Ela se espreguiçou e me beijou a boca ardentemente e nos amamos ali.
Ela sabia muito mais do que eu podia imaginar. Adorei ter amado aquela mulher. Ela é fascinante. Depois do nosso amor gostoso enquanto ela tomava banho eu entrava em contato com a empresa dizendo que só iria a tarde. Descemos para tomar café e acertar a conta. Depois do café, fomos dar uma volta na praia. Molhar os pés e voltar a velha rotina. Aquele amor ainda estava em mim. Posso dizer com certeza que desde que conheci o amor de uma mulher, aquela tinha me pegado de jeito.
Subimos a serra. Ela estava mais calada. Eu também estava calado.
O vento que entrava pelas janelas do carro resfrecavam meus pensamentos.
- Vamos nos ver novamente? - arrisquei perguntar.
- Não sei, pode ser.
E novamente ficamos em silêncio...


CONTINUA

domingo, 29 de novembro de 2009

NADA RESTOU*

Quando ela o conheceu, estava entrando na casa dos dezesseis anos.
Renunciou a tudo e a todos para viver aquele sentimento, e assim o fez.
O tempo, como sempre, implacável e quando nos faz velhos, dá-nos a percepção que antes não tínhamos. Deixa nossos sentidos muito mais apurados e nos faz perceber detalhes que antes não percebíamos.
Por que, então, ela não abria suas asas para voar?
Por que ela ainda se prendia àquela história, se tudo já fora escrito?
Por que ela não rasgava seu peito e se entregava para o mundo?
Talvez o medo. Medo de ficar sozinha. Medo de não saber mais gostar de ninguém. Medo de voar e não ter mais um ninho para pousar.
Assim, passaram-se vinte e seis anos. Tempo de uma dedicação louca. Tempo de uma entrega absurda. Até mesmo uma renúncia tem o tempo certo.
Ela estava triste. Sem vontade de mais nada. Queria fugir para esquecer tudo. Queria voltar renovada para viver, agora, a felicidade que enfim havia encontrado.
Mergulhou de vez nos estudos. Entregou-se de coração.
Começou, enfim, a viver. Começou, enfim, a perceber que a vida não se resumia a um único sentimento. Além do mais, tudo aquilo que vivera, fora superficial demais. Olhava para trás e não via nada. Havia apenas uma estrada vazia. Apenas seus passos e nenhum mais.
Lembro-me uma vez, de uma conversa informal em que ela me confessou que seus sentimentos já não eram os mesmos. De uns tempos para cá, percebi que não eram mesmo.
Ninguém ama por obrigação. Amar assim, deixa de ser amor, deixa de valer à pena.
Agora só havia tristeza e dor. Dor, por acordar sem um carinho. Dor, por se sentir sozinha. Dor, por sentir que nada valeu.
Ela era uma bela mulher. Todos a viam forte e nunca enxergaram nela, a fragilidade, a doçura. Nunca estenderam a mão para socorrê-la. Quem a socorria nos momentos de aflição não está mais entre nós. Ela não conseguia gritar. Não conseguia dizer. Sentia-se pronta para viver sem coragem de bater as asas em busca da liberdade. O seu mundo não era mais o mesmo.
Agora, dois lados; o colorido e o branco e preto.
Queria amor. Amor de verdade. Sem as velhas obrigações. Sem se sentir obrigada a falar o que não tinha vontade. Nada mais a prendia. Sua cabeça fervia. Não queria mais escutar aquelas palavras já tão sem sentido. Não queria mais ouvir aqueles sons à noite. Queria deitar e dormir em paz. Queria apenas se sentir uma mulher de verdade. Sentia-se uma mulher sim, mas pela metade... Tinha asas e ainda muito medo de voar.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

NÃO ERA NADA*

O mais é engraçado é o poder da imaginação.
Imaginar alguém que nunca se viu. Imaginar o cheiro, o gosto do beijo, o calor do abraço.
Eu a conheci através de uma amiga que também não conhecia. Eramos amigos virtuais desses sites de relacionamento que existem. O legal é que você vê a foto da pessoa, lê um perfil que só fala das qualidades. Foi assim que, através de uma amiga virtual, conheci essa outra mulher. Nos tornamos amigos e descobrimos afinidades. Na verdade, desenhamos afinidades. Sempre que se conhece alguém virtualmente, desenhamos tudo. Imaginamos tudo. Não tínhamos nada em comum. Ela estava se separando, após uma traição. Contou-me todos os detalhes. Eu, casado, feliz e sem nenhum tipo de problema, a não ser os que sempre procuro e acho.
Papo vai, papo vem. As tardes foram ficando mais intensas. Nossos bate papos eram sempre frequentes. Intensos. Falamos de tudo. Em poucos momentos ela me perguntou da minha família e do meu relacionamento. Eu estava tranquilo. Adorava conversar com ela. Vê-la na webcam. Ela não morava em São Paulo. Sabia que nada iria acontecer, mas o poder da imaginação, o poder de sonhar, de desenhar o que se quer...
Um belo dia ela disse que viria para São Paulo na casa de uma amiga. Disse que assim poderíamos nos conhecer. Eu disse que sim, sem pensar direito no que dizia. Percebi que não haveria mal algum. Conhecer pessoas faz parte da vida. Conhecemos pessoas todos os dias. Muitas pessoas. Milhares. Disse que sim e marcamos de nos encontrar.
Eu fui sem pretensão. Queria ver se a sensação era a mesma. Real e virtual num mesmo instante. Marcamos de nos encontrarmos de manhã, num café. Ela chegou e se eu me lembro bem, ela estava vestida de branco, cabelos bem mais longos e óculos escuros. Nos cumprimentamos, quebrando o gelo. A sensação não foi nada agradável. Não houve a mesma sintonia. Respirei aliviado. Sentamos, conversamos um pouco. Falei sobre renúncia, sobre encontros. Ela ouviu e sorriu. Disse, em breves palavras, que poderíamos sair dali se tudo fosse diferente. Eu não tive reação. Ela não era nada daquilo que eu imaginava. Eu também não era para ela. Gentilmente disse que precisava ir embora. Havia combinado de sair com as amigas. Paguei o café e nos despedimos. O mais breve contato, foi um selinho e nada mais.
Ela atravessou a rua e sumiu. Tentei contato algumas vezes. Ela deletou seu perfil do site de relacionamento, não atendeu mais o telefone.
O poder da mente de nos levar aonde nem imaginamos. Tudo foi uma grande besteira. Tudo foi uma loucura. A realidade é muito diferente. Não se funde com a imaginação que inventamos.
Minha outra amiga virtual, eu cheguei a conhecer. Virou uma grande amiga. Mas com o tempo também desapareceu.
Pessoas virtuais são pessoas que existem hoje e amanhã, quem sabe...

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

CORAGEM*

Eu precisava vê-la de qualquer maneira.
Quem sabe assim, frente e frente, eu pudesse dizer tudo o que eu pensava. Mas não sabia como fazer. Morávamos longe, o acesso era difícil. Além do mais, não tínhamos tanta intimidade assim. Eramos próximos e distantes. Difícil explicar. A única certeza que eu tinha é que eu precisava vê-la. Precisava falar. Acordei cedo e fiquei pensando todas as possibilidades para provocar um encontro. Ela não tinha telefone e a época não era de telefonia celular, e-mails, orkut, nem nada disso. Os orelhões usavam ainda a velha ficha telefônica. Nos coletivos, as pessoas entravam pela porta de trás e desciam pela porta da frente. Bons tempos.
Não tinha outra opção. Ou ia até a casa dela e falava tudo ou esquecia tudo. Eu não era e nunca fui de esquecer. Não ia desistir, não podia. Novamente me pus a pensar. Deveria haver algum jeito. Ir até a escola dela? Não. O noivo dela ia sempre buscá-la. Na casa, não dava, por causa da mãe e da irmã. Não podia me expor. Juro que fiquei dias e dias arquitetando um jeito. Pensei em todas as possibilidades. Não achava saída.
Foi então que me veio a idéia de mandar um telegrama como se fosse uma agência de empregos. Eu sabia que ela estava procurando emprego. Perfeito. Assim saberia perfeitamente o dia, horário e onde ela estaria. Não pensei duas vezes. Fui até o correio e tratei de escrever:

Prezada senhora,

solicitamos que compareça dia tal, no horário tal, a rua tal, para entrevista de emprego e possível encaminhamento para vaga efetiva. Trazer documentos e curriculum.

Atenciosamente
Agência tal

Senti meu coração saltando da boca. Estava eufórico, nervoso, ansioso, com medo de que ela não fosse, com medo de que ela fosse com o noivo que não desgrudava dela. Eu iria ficar de longe, olhando. Caso percebesse que ela estivesse acompanhada, eu daria meia volta e sumiria na multidão.
No dia combinado, uma hora antes eu estava lá, quase disfarçado. Eu transpirava, estava ofegante. Não sabia qual seria a reação dela ao me ver. Poderia simular que era coincidência. Que eu estava lá por acaso. E se ela não acreditasse? E se ela fosse áspera? Ela sempre teve uma postura muito séria. Era impossível saber o que ela pensava. Como já disse antes, eu não tinha tanta intimidade assim. Eu deveria estar preparado.
A cidade era enorme e, calculando tudo, sabia mais ou menos de onde ela viria. Fiquei olhando de longe, quando derrepente, eu a vi. Ela andava apressada. Não queria correr o risco de chegar atrasada. Fiquei de longe olhando e comecei a me sentir mal por tudo aquilo. Fazê-la sair de casa, apressada, andar correndo pela cidade para realizar um desejo meu, para falar de um sentimento que eu nem sabia, ao certo, se existia. Bateu um arrependimento em mim. Derrepente, a coragem começou dar vazão às piores sensações. Ela foi se aproximando do endereço e eu olhando sem dizer nada, sem dar um passo em sua direção. Fui tomado por uma sensação de pânico. Virei as costas e fui embora sem dizer nada. Fiquei andando como barata tonta. Decidi voltar e falar com ela. Ela não estava mais. Era óbvio, não havia entrevista nenhuma. Fui correndo. Eu sabia onde ela tomava o ônibus para casa. Fui diminuindo a velocidade dos passos já na intenção de não alcançá-la. Derrepente eu vi que ela vinha no mesmo sentido que eu, mas a multidão fez com que ela não me visse. Eu me esquivei e vi ela parar em um orelhão. Ela estava triste. Com certeza, estava ligando para o noivo. Decidi deixar tudo de lado. Deixar tudo para trás.
Ela nunca saberia que fui eu que tentei desviá-la do seu caminho.


quinta-feira, 19 de novembro de 2009

BRIGAS*

Nossa briga de ontem me fez pensar.
Quantas palavras amargas, palavras que machucam. Tudo por uma besteira.
Você não conseguiu entender o que eu falava e eu não entendi porque derrepente, você virou para mim, um monstro. Veio com tudo para cima de mim. Falando, acusando-me de coisas absolutamente sem sentido. Falou de provocações, de ciúmes. Acusou-me de falta de atenção, de falta de desejo. Falou que eu me preocupava mais com minhas amigas do que com nossa vida. Falou do meu trabalho, da minha carreira.
Pela primeira vez em quatro anos de casados, dormimos sem falar uma palavra sequer. Cada um absorvido em seus pensamentos. Certos de tudo o que foi dito. A noite não passou. Pela primeira vez pensei se havia feito a escolha certa. Vi o dia nascer, sentada no sofá. Ele dormiu no quarto e em nenhum momento, levantou à noite para ver como eu estava. Ao contrário, chegou a roncar. Sempre foi assim. Ele parecia inatingível. Sempre fora assim. Apesar de me tratar sempre docemente, tinha uma postura meio que severa.
Senti-me só. Como há muito tempo não me sentia.
Quando o sol tocou a janela, tomei um banho e quando saí do banheiro, ele já estava de pé. Lia o jornal na mesa e suas primeiras palavras foram:
- Você não fez o café?
Entrei no quarto, troquei de roupa, peguei a chave do carro e saí sem dizer nada. Estava extremamente magoada. Dirigi olhando para o celular na esperança que ele tocasse e eu ouvisse a voz dele. Nada aconteceu.
Ainda era muito cedo e eu não havia comido nada, senti meu estômago reclamar. Parei em um posto de gasolina e fui comer alguma coisa. Havia algumas pessoas tomando seu café da manhã. Sentei em um lugar meio que afastado e pedi à garçonete um suco de laranja, um pão com manteiga e um café com leite. Comi e ele não saía do meu pensamento. Suas palavras tão rudes, pesadas, carregadas de ressentimentos e mágoas. Comi que nem senti o gosto de nada. Na hora que fui pagar, percebi que estava sem dinheiro, sem carteira, sem cartão, sem nada. Havia deixado tudo em casa. Liguei para casa para ver se ele podia trazer minha carteira e ele não estava mais em casa. Estava conversando com o gerente que simplesmente me disse:
- Deixe a chave do seu carro aqui e volte depois para pagar o que deve!
Eu não podia deixar o carro ali. Estava longe de casa. Presa ali, não tinha como sair simplesmente a pé.
- Eu pago a conta dela.
Quando olhei para trás, ele estava lá, segurando um enorme buquê de flores (Rosas Vermelhas) em uma mão e na outra, minha carteira.
Não pude me conter. Foi um misto de sensações. Amor, medo, nervoso e uma felicidade que não sabia que havia em mim. Ele apenas sorria. Corri e o abracei fortemente.
- Desculpa amor, por tudo. Eu não vou mais viajar. Vou ficar com você! Vou cuidar mais de você. Te dar mais atenção. Fazer café da manhã pra você.
- Você vai viajar sim! Você não, nós vamos! Eu tirei uns dias e vou com você!
Aquele era o homem que eu realmente amava. Se havia dúvidas, elas foram engolidas pelo amor que sinto...

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

COTIDIANO*

Ela não aguentaria passar por tudo aquilo de novo.
Sempre fora uma ótima mãe e esposa. Nunca teve aquele problema de se dedicar aos filhos e esquecer o marido ou cuidar do marido e esquecer os filhos. Sempre teve o equilíbrio certo.
Vivia uma relação de 35 anos. Os filhos já crescidos e criados. Vivia agora a tranquilidade. Colhendo tudo o que havia plantado. Viajava, conhecia lugares, pessoas. Era uma vida tranquila. O marido era o marido dos sonhos. Sempre um pai presente, sem vícios, trabalhador, amigo sempre presente. Não havia nada que desabonasse a sua vida. Era sim, uma mulher feliz e realizada. Mas naquele fim de tarde, tudo mudaria. Tereza estava sentada em seu terraço lendo um livro que começara a ler há um tempo atrás, mas que nunca havia terminado. O telefone tocou e eram exatamente três horas da tarde. O sol estava tímido. Havia uma brisa calma.
- Alô.
- Mãe!!! Eles me pegaram. Eu e o Rafael!!!
- Filha, eles quem? Onde você está?
- Estamos com sua filha e com seu neto. Não vai acontecer nada se a senhora colaborar. Queremos R$ 100.000,00. Se chamar a polícia, sua filha e seu neto morrem. São três horas da tarde. Na frente do seu apartamento tem um carro preto. A senhora desce, vai com ele até o Banco, saca o dinheiro, entrega no carro e recebe sua filha de volta. Sei que o banco é próximo. A senhora tem uma hora para pegar o dinheiro. Se chamar a polícia, já era. Se vacilar, já era. Dona Tereza, não banca a esperta . A senhora é uma mulher inteligente. Não brinca!
- Mas o Banco não vai liberar esse dinheiro assim.
- Vovó, eu amo a senhora. Mamãe tá chorando.
- Meu lindinho... Alô, alô...
O desespero era visível. Não podia perder a calma. Foi até a janela e havia realmente um carro preto paradao em frente ao prédio. Desceu e foi na direção do carro. Como passou apressada pela portaria, sem cumprimentar os funcionários, chamou a atenção do porteiro que conhecia bem a rotina dos moradores. Jaime saiu da portaria e viu Dona Tereza caminhar rumo ao carro preto. O que pôde fazer foi anotar a placa.
- Você viu? Dona Teresa passou por aqui assustada. Nem cumprimentou a gente! Será que aconteceu alguma coisa?
- Sei não. Aquele carro preto estava parado aqui desde manhã. Vou chamar a polícia, dizer o que aconteceu e passar a placa do carro. E assim fez.
No carro, Dona Tereza olhava aquele rapaz que parecia ter no máximo 22 anos.
- Por que vocês estão fazendo isso?
- Dona, é melhor a senhora ficar quieta e não falar nada. Vou deixar a senhora no Banco e se eu ligar de volta às 16:00 eles apagam o seu neto e sua filha e eles não estão brincando.
- E se o Banco não liberar o dinheiro?
- Não é problema meu. A senhora sabe o que tem que fazer. Vou estacionar e vou junto com a senhora. Agora são 15:25, a senhora tem tempo suficiente para resolver esse problema. Se fizer a coisa certa tudo vai correr bem e hoje à noite, sua família vai estar junta novamente.
Dona Tereza apenas se lembrava da voz da filha e do neto. Entrou na agência. E foi direto ao caixa.
- Boa tarde! Qual o valor máximo que vocês podem me liberar para saque?
- Olá, Dona Tereza. Boa tarde! A senhora precisa de quanto?
- Um valor alto. R$ 100.000,00.
- Acho difícil. Fale com o gerente. Somente ele pode liberar esse saque. A senhora quer levar em espécie?
- Sim. Eu tenho que falar com o Augusto?
- É com ele mesmo! A senhora está bem?
- Estou ótima.
Enquanto isso, olhando pela janela, o homem que estava com Dona Tereza no Banco viu viaturas de polícia cercando o carro. Ele devagar saiu da agência e desapareceu. Enquanto isso, Dona Tereza tentava convencer o gerente a liberar o dinheiro e nem percebeu que o rapaz já havia saído. Quando percebeu, teve uma crise nervosa. Viu a movimentação da polícia e entrou em desespero. Pensava apenas na filha e no neto. O telefone celular tocou:
- A senhora não deveria ter chamado a polícia... Mãe me ajuda...
- Eu estou no Banco, vou tirar o dinheiro, não faça nada... Por favor, eu estou com o dinheiro...
Ouviu dois tiros...

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

OLHOS FECHADOS*

Acabei de chegar do médico.
Fui levar o resultado dos exames pedidos.
A notícia me deixou um pouco abalado. Eu era portador de uma doença terminal. Tinha pouco tempo de vida. Como sempre, os médicos nunca conseguiam prever o tempo exato. Falavam em semanas, meses, podendo chegar a anos. Tudo dependeria da evolução dessa minha doença.
Eu sempre levei uma vida absolutamente normal. Sempre cuidei do meu corpo, da minha saúde, de como vivia a minha vida. Nunca fui de cometer excessos. Mas sempre ouvi que essa doença podia ser desencadeada por mágoas mal curadas e angústias mal resolvidas.
Confesso que saber que você tem poucos dias de vida, não é algo muito bom de se ouvir.
Saí do consultório sem chão. Como iria falar para minha mulher, para minha filha? Amigos eu não tinha mesmo então, não teria quem avisar. Minha mãe, irmãos, minha família. Doeu em meu peito a sensação de ter que abadonar todos. Eu me sentia bem demais. Sentia-me plenamente vivo. Havia vida demais em mim. Não poderia imaginar que meus olhos estariam para sempre fechados.
O sol brilhava muito mais. O vento refrescava minha pele. De certo modo me acalmava. As pessoas que passavam por mim estavam com seus rostos todos iluminados. Todos pareciam anjos. Ficava me perguntando como seria morrer... Como seria deixar tudo e as pessoas que realmente amo? Ano que vem faria 40 anos e sempre me disseram que a vida começa aos 40 e a minha ia terminar. Comecei a pensar em todos. Sentei em um banco de um shopping e comecei a escrever o nome de todas as pessoas que de algum modo eu deveria me desculpar. Queria viver esses meus últimos dias sem qualquer tipo de culpa. Falaria para minha mulher do amor que sinto por ela e pedir perdão pelas traições. Falaria do imenso amor que sinto por ela desde o dia em que a conheci. Abraçaria-a e ficaria por horas ali. Abraçaria minha filha também e falaria da vida. Do lado bom de viver e que ela cuidasse de tudo para mim e cuidasse da mamãe. Pensar na minha filha me fez chorar demais. Senti um nó na garganta e uma dor que me fez chorar. Chorei por horas. Algumas pessoas vieram falar comigo. Ficaram assustadas ao ver meu desespero. Dizia apenas que eu ia morrer. Tentavam me consolar em vão.
Fiquei lá até que não houvesse mais ninguém. Saí de lá arrastando meu corpo. A noite parecia acesa. Havia poucas pessoas na rua. O caminho até minha casa parecia interminável. No céu, as estrelas brilhavam como nunca. Tudo parecia de verdade mais intenso.
Cheguei em casa e minha mulher me esperava no portão. Parecia pressentir alguma coisa. Entramos e em nosso quarto contei tudo. Ficamos abraçados e senti a dor de suas lágrimas. Ela insistia em dizer que os médicos estavam errados. Disse que eu deveria fazer outros exames e que não deveria comentar com nossa filha antes de uma segunda opinião. Concordei e mesmo assim, disse que somente concordaria em fazer outros exames se ela junto comigo escrevesse cartas para as pessoas que estavam em minha relação.
No dia seguinte começaríamos a escrever as 10 cartas para as 10 pessoas que eu precisava pedir perdão. Se fosse confirmado nos outros exames a veracidade dos primeiros, entregaria pessoalmente a carta. Se não fosse confirmado o diagnóstico, as entregaria mesmo assim.
Fui tomar um banho. A água quente fez meu corpo relaxar e por um instante esquecer todo o peso daquele dia. Tudo vinha como um filme. Eu sabia bem o mal que me corria por dentro e quais eram as mágoas que tinham me causado aquele mal. Ali mesmo, no banheiro embaixo do chuveiro falei com Deus...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

IRREAL*

2 anos que decidi mudar de vida.
Estava cansado daquela vida de ter que levantar cedo todos os dias, pegar condução lotada, andar o dia todo de terno. Eu trabalhava em uma consultoria que ficava na região da avenida Paulista. Era um empresa nova e eu tinha total condições de fazer carreira. Mas eu vinha de uma rotina pesada. Estava cansado. Queria fazer algo que realmente me desse prazer. Algo que não fosse uma obrigação. Todos diziam eu tinha um dom e que deveria explorá-lo e foi o que decidi fazer. Depois de ter conversado com minha mulher, no dia seguinte pedi demissão.
Era muito bom estar em casa. Tinha acabado aquele tormento. Aquela cobrança louca de metas, relatórios, reuniões. Agora era eu por mim.
Tudo em paz. Podia acompanhar minha filha na escola, podia me dedicar inteiramente ao que mais amava. Não tinha mais chefe. Não tinha mais horário, mesmo assim seguia regras. Gostava de escrever todos os dias. Tanto que foram 7200 poesias em dois anos e 32 livros.
O tempo foi passando e eu fui perdendo o contato com a realidade. Mal saía de casa. Alguns dias não sabia se tinha sol ou não. Todos os meus contatos eram via msn. O telefone celular nunca mais tocou. Comecei a perceber que o contato com outras pessoas reais me fazia mal. Comecei a ficar intransigente, mal humorado, extremamente irritado e nervoso. Todas as pessoas foram se afastando. Vendia meus livros pela internet, despachava pelo correio e não havia mais contato com pessoas. Devagar fui perdendo o contato com a realidade. Lia as notícias via internet e deixava a televisão ligada o dia todo no noticiário e todas as notícias me corroíam. Eu nao fazia mais parte daquele contexto. Estava em outro mundo. Fazia parte agora de uma outra realidade. Minha visão estava diferente. A realidade que via fora do meu apartamento era outra. Achava as pessoas más, cruéis, prontas para qualquer coisa na intenção de passar por cima do outro. As pessoas, na minha visão, tinham perdido o senso do amor, da educação e da boa convivência. Todos andavam se empurrando, querendo se matar. Cada vez mais me afastava de tudo.
Minha mente trabalhava em média 17 horas por dia. Sempre pensando em novas idéias de livros. Em novas poesias. Novas histórias. Conversava com muitas pessoas, mas nada que uma tecla chamada Delete não resolvesse. Ainda tinha esse poder de sair rapidamente da vida das pessoas. Eram apenas rostos.
Foi aí que percebi que existiam dois de mim em mim. Eu era um, o homem que começou a sentir a falta do contato humano. Comecei a sentir a solidão de uma maneira pesada. As janelas fechadas começaram a me fazer mal. O ar rarefeito me fazia mal. Eu precisava sair dali. Daquele espaço pequeno e apertado. Por outro lado, existia o poeta, o escritor que amava aquela convivência limitada. Tudo servia de inspiração. Só pensava em agradar, em contagiar as pessoas com doses excessivas de amor e atenção. Tudo aquilo começou a tomar uma proporção sem limites. Eu só queria sair de lá. Queria deixar um pouco meu lado poeta sem deixar de ser poeta. A poesia está na minha pele, no meu sangue, no meu ar. Cansei da visão que as pessoas faziam a meu respeito, a respeito do poeta que perdeu o contato com a realidade.
Precisava sair de tudo. Deixar um pouco de lado toda essa loucura que tomou conta de mim...
Vou sair... Vou respirar... Ver um pouco de gente... Sentir o vento...
Quem sabe eu volte pra dizer como me sinto ou quem sabe nem volte mais...

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

INCOMPATIBILIDADE*

Lúcia é uma dessas mulheres que não sabem escutar um não.
Não consegue entender que o mundo é feito de milhares de pessoas. Ela precisa de uma atenção plenamente exclusiva. É justamente o que eu não posso dar. Com tudo isso, conseguimos chegar longe demais nessa amizade.
Sou um cara meio reservado. Não gosto de falar da minha vida, das minhas intimidades. Já Lúcia, adora dar satisfação de tudo aquilo que faz. Adora passar a tarde inteira falando de tudo e eu, como bom ouvinte fico a escutar. Paro o que estou fazendo para dar atenção.
De uns tempos para cá, comecei a me sentir sufocado por essa amizade. Me sentia invadido. Não havia mais limites. A coisa começou literalmente a descambar.
As palavras começaram a ficar agressivas. Havia ofensas, trocas e acusações. Era a incompatibilidade de tudo. De pensamentos, de gestos, de ações. Chegou um pouco que nada estava bom. Nada mais agradava.
A sensação de posse me sufoca. Não gosto de dedos em riste. Não gosto de coleiras guias. Não sou escravo dos meus sentimentos.
Lúcia queria ser única. Odiava dividir qualquer coisa que seja principalmente atenção. Ela fazia meus piores pontos serem despertados. Ela fazia minha parte pior, vir à tona. Ela fazia isso muito bem e sempre tinha em sua boca um bordão:
- Eu te conheço há muito tempo!
- Eu sei o que você pensa!
Ninguém conhece ninguém. Ninguém é capaz de saber o que o outro está pensamento. Isso é a liberdade que gosto de ter.
Você me pergunta se haviam pontos bons nessa mulher? Claro que sim. Lúcia é uma mulher extremamente caridosa, preocupada, disposta a fazer de tudo para que tudo desse certo para mim e para outras pessoas. Eu não conhecia muito bem. Conhecer no modo geral. Eu achava mas jamais cheguei a dizer. Quando tentava, não conseguia. Lúcia negava.
O mais engraçado de tudo isso é que eu e ela vivíamos o mesmo lado negro. A solidão. Para mim, estar sozinho faz parte do que decidi fazer, um modo de vida, meu ganha pão. Os amigos deixaram todos de ser reais para serem virtuais. Todos os meus contatos eram via computador. Jamais fui lembrado para um almoço, para um jantar, para uma viagem, um passeio. Lúcia ao contrário, tinha amigos reais, saia, viajava e era terrivelmente consumida pela solidão. Uma solidão diferente. Uma solidão cruel que a engolia e a massacrava. Uma solidão que a fez se apegar a um mundo que não era seu para sentir que valia a pena. Tudo isso, são apenas deduções de tudo o que senti nesses anos com essa minha amiga real e virtual. Lúcia parecia viver de mentiras. Seria com certeza uma ótima escritora.
Na verdade, eu não sei nem porque resolvi escrever isso nessa minha manhã. Talvez porque sinta de verdade que perdi uma pessoa querida. Mas não posso permitir mais palavras que deixem meu mundo em desarmonia. Na minha solidão, preciso de paz, preciso estar bem.
Lúcia continuará vivendo sua vida de encantos, de tardes no shopping, de manicure, massagem, ginástica. Ficará bem eu sei. Triste pode até ser verdade, mas o tempo se encarregará de cicatrizar qualquer magoa que tenha ficado. Quanto a mim, ficará sim o vazio que jamais será preenchido, mas também entrego ao tempo tudo isso. Ele é mestre e sabe conduzir tudo. Sabe acalmar as tempestades e fazer o sol voltar a brilhar.
Quem sabe um dia, eu e Lúcia poderemos nos encontrar melhores do que somos e rir de tudo isso ou quem sabe ainda não nos encontrarmos e mesmo assim temos a certeza que cada um nos seu jeito tentou ser e dar o melhor de si. Às vezes, não conseguimos...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

REENCONTRO*

Nunca tive problemas com o que é proibido. O proibido nunca me atraiu. Nunca desejei ir além de nenhuma fronteira. Detesto viver no meu limite, mas confesso que de uns tempos para cá, todas as minhas certezas, convicções, tudo o que disse que jamais faria, caiu por terra. Aquela mulher veio até mim sem intenções e eu fui até até ela sem destino. Eu não sei porque as coisas acontecem dessa maneira e sempre pega tudo e todos desarmados. Foi um papo sem compromisso e ela sorriu como ninguém jamais havia sorrido. Derrepente estava dentro dos meus olhos, bagunçando todo o meu mundo. Era como se eu bebesse água fervendo. Como se naquele instante eu descobrisse tudo de novo. Se tivesse que aprender a andar, a falar, a sentir, porque eu jamais havia sentido algo dessa maneira e dessa proporção. Não sabia mais o que pensar. Não sabia mais meu nome, onde estava. Só existia ela e eu.
Sem esperar e de novo, tudo foi me arrancado. Sem avisar, me matando. Ela levantou, caminhou em outra direção. Deixou-me sem nada. Roubou tudo de mim. Sumiu.
Andei a esmo. Corri atrás mas não encontrei. Não encontrei nada. Nenhum pedaço de mim. Não encontrei nada no dia seguinte, onde fiquei por horas no mesmo lugar, naquele lugar que nos falamos. Todos os dias e dias após dias e horas. Não havia mais nada.
O amor que senti minha vida toda, não era amor. A vida que fingia viver, não era vida. Abandonei tudo. Abandonei meu amor, minha vida, meu ar. Naquele momento foi como se tudo tivesse acabado. Melhor, naquele momento que tudo ruiu sem um adeus. Não a encontrei mais. Nem vi mais aquele olhos e não encontrei mais em ninguém aquele sorriso. Nem em mim. Não fui mais o mesmo. Sem vontade, sem sonhos, nem ideais. Nada mais para mim tinha o mesmo brilho, a mesma vida. Logo eu que sempre bati no peito contra tudo isso. Nunca acreditei nessas paixões de momento. Jamais cri em amor à primeira vista. Amor para mim era convivência, dias, meses, anos. Nada surgia derrepente. Mentira. Tudo caiu, desmoronou.
E a vida seguiu sem graça por anos. Tudo era pesado. Rotina pura. Mudei tudo. Deixei a barba crescer, os cabelos, relaxei, meu corpo já não era nada. Não valia nada. Abandonei os amigos. Passei a viver em casa. Janelas fechadas. Não saía pra nada. Não sentia fome e nem vontade de nada. Parece que permaneci deitado naquele sofá por anos. Fui perdendo a razão, a noção e cada vez mais o contato com a realidade.
Acordei no hospital. Minha mãe me olhava com aquele rosto de dó. Meu pai e minha irmã que estava com uma amiga. Meu olhos estavam embaçados, mas aqueles rosto, aquele sorriso eu jamais esqueceria. Ela estava ali. No quarto de hospital, a causadora de todo sofrimento e desilusão era o tempo todo amiga de minha irmã.
- Caique, essa é a Cris, minha amiga. Trouxe essas flores pra você...


quinta-feira, 8 de outubro de 2009

BARULHO DAS CHAVES - 1*

...

Nossa noite não foi das melhores. Não sei onde estava com a cabeça. Só pensei em mim. Em momento algum me preocupei com você. Em momento algum, escutei você.

Eu precisava demais do seu amor. Naquele momento, não me dei conta das suas necessidades. Você sempre faz tudo por mim. Trata-me como uma deusa. Trata-me como toda mulher deseja ser tratada. Faço tudo o que gosto. Tenho tudo o que quero. Academia, dança, vou ao Shopping, salão de beleza quase todos os dias, massagem. Tenho meu carro, meu cartão de crédito. Saio com minhas amigas. Sempre viajo. Apesar da nossa diferença de idade, nunca senti que essa diferença influenciasse na sua maneira de me tratar. Eu queria estar sempre linda para agradar seus olhos.

Ontem, eu precisava do seu corpo. Ontem precisava me sentir mulher. Queria ser penetrada. Desejava ser querida ainda mais. Precisava sentir seu corpo. Passei horas me preparando. Havíamos conversado e queríamos uma noite especial.

Passei o dia no salão. Unhas, cabelos, pele, massagem. Tudo pensando naquele momento. Na nossa noite. Tomei um belo banho. Usei o melhor de todos os cremes. Vesti a melhor e menor lingerie. Usei o perfume que mais gosta. Tudo pra você.

Não sei o que me deu.

Fiquei na cama por horas esperando você chegar. Estava agoniada. Resolvi ligar para o celular. Nunca havia precisado fazer isso. Estava aflita. Afinal de contas você se despediu de mim antes de sair da empresa. Passava das dezoito horas quando nos despedimos. O celular chamou.

Do outro lado uma voz de mulher atendeu. Desliguei na mesma hora. Fiquei inconformada. Revoltada. Chorei muito. As horas passando e nenhum sinal. Nenhum telefonema. Pensava em nós. Pensava onde havia errado. Queria saber por que você fazia aquilo comigo? Por que justo na noite que deveria ser especial? Quem era aquela mulher? Nunca havia percebido nada. Acabei adormecendo sem escutar o som que mais adorava. O barulho do motor do seu carro desligando e a porta da nossa casa se abrindo.

Quando acordei você estava no banho. Olhei para o relógio. Eram três e meia da manhã. Você saiu do banho com um copo de uísque na mão.

- O que aconteceu? – perguntei.

- Bateram no meu carro. Um sujeito bêbado avançou o sinal vermelho e atingiu meu carro.

- Álvaro, você saiu da empresa as seis horas. Horário que falamos. São três e meia da manhã. Quem era a mulher que atendeu seu telefone? Por que você não me ligou?

Desandei a falar.

Estava mais preocupada com o que eu sentia. Com minha espera, com a mulher atendendo ao telefone. Não perguntei mais nada. Se estava tudo bem com ele. Fui a mesma menina mimada de sempre. Vivendo em seu mundo sem olhar ao redor.

Falei, falei e falei. Ele se calou. Não falou mais nada. Não disse uma só palavra. Ouviu minha acusações, minhas lamentações. Eu estava “puta” da vida. Maquiagem borrada de tanto chorar.

Ele saiu. Foi para a cozinha e eu fui atrás. Estava endemoniada. Jamais havia falado e agido daquela maneira. Álvaro manteve a serenidade o tempo todo. Seu silêncio me deixava ainda mais nervosa, ainda mais frustrada. Por um momento deixei de ser aquela mulher doce, companheira. Álvaro me olhava assustado enquanto preparava um lanche. Percebi que ele estava abatido. Fez um sanduíche e foi para a sala. Encheu o copo de uísque, sentou na mesa e eu ali, falando, falando e falando. Por mais que ele tentasse falar, não conseguiria.

Cansei. Fui para o quarto. Fiquei deitada esperando a raiva passar. Estava cega. Pensava apenas naquela mulher que atendeu o telefone celular do meu marido.

Depois de repensar, o arrependimento veio como uma bomba. Pulei da cama e fui correndo para a sala. Álvaro não estava lá. O sanduíche estava intacto. O copo de whisky vazio.

Morri ali de pé ao ver um bilhete e uma caixinha em cima da mesa:

“Ana,

está é mais uma aliança para que

nosso amor se renove a cada novo dia.”

Obs. A mulher que atendeu o telefone era a dona da loja. Acabei saindo de lá e esqueci o celular. Quando voltei para buscar sofri esse acidente.

Abri e vi uma linda aliança de ouro e brilhantes. Comecei a chorar. Junto ao bilhete um papel dobrado. Era um boletim de ocorrência. Com local, hora e tudo o que havia acontecido. Tudo narrado com a mais absoluta precisão. Álvaro foi uma das vítimas de um homem alcolizado. A outra vítima foi atropelada e faleceu no local. O carro de Álvaro tentando evitar o acidente, ao ser atingido, acabou atropelando e matando uma pessoa.

Eu estava aterrorizada.

Imaginava como Álvaro deveria estar se sentido e eu, pensando apenas em mim. Egoísta como sempre. Sai atrás do meu marido. O carro de Álvaro estava lá. Todo amassado, Parabrisa quebrado. Meu carro também estava lá. Fiquei sem saber o que fazer. Voltei para dentro de casa. Não podia ligar pois o celular não estava com ele.

Para onde foi meu marido? Ele vestia apenas a calça do pijama, camiseta e chinelo. Não podia ter ido longe. Ele havia levado apenas a chave de casa. Sua carteira, documentos, cartões. Tudo havia ficado. Onde ele poderia ter ido?

Meu coração estava apertado.

Sentia-me mal, sozinha. Sem chão.

Fiquei sentada no sofá. Podia apenas esperar e esperei. Sem pregar os olhos. Li e reli seu bilhete. Olhava o anel e aquele boletim de ocorrência. Pensava em Álvaro, pensava na pessoa que havia falecido. Eram mais de sete horas da manhã.

Desde que nos conhecemos nunca tive essa sensação de abandono. Depois que nos casamos, nunca passei uma noite sozinha. Sempre dormimos juntos e abraçados. Agora me via sozinha. Estava com frio, com medo.

Fazia mais de quatro horas que Álvaro havia saído. Não ligou, não deu nenhum sinal. Eu continuava ali no sofá. Toda encolhida.

Dei um pulo quando ouvi o barulho das chaves e a porta se abrindo. Álvaro havia voltado. Nunca fiquei tão feliz ao ouvir o barulho das chaves abrindo a porta. Jamais pensei que esse barulho fosse me trazer de volta à vida.

Abracei Álvaro e ali ficamos abraços. Chaves na mão. Porta entreaberta...

terça-feira, 6 de outubro de 2009

MINHA PROFESSORA SUBSTITUTA

Meu avô João me chamava de furacão branco, de dinamite e eu não sabia bem por quê. Talvez porque eu era terrível. E eu era. O que vou contar aqui aconteceu quando eu estava no primário. Terceira ou quarta série, eu não me lembro bem. Eu estudava na Escola José Maria Lisboa e o diretor era o senhor Ricardo, um homem rigoroso. Lembro-me que quando ouvíamos sua voz pelo corredor, ficávamos quietos em nossas carteiras. Era um silêncio total na escola.

Eu sempre fui muito ativo, muito brincalhão e sorridente. Conhecia todos lá na escola. Desde alunos até professores e funcionários. Apesar de ser totalmente “ligado no 220V”, nunca fui parar na diretoria. Só em pensar morria de medo.

Havia iniciado na escola uma professora nova. Ela era muito linda. Tinha seios fartos. Na verdade, eu ainda não tinha a malícia que tenho hoje, mas claro que a exuberância da professora chamou a atenção de todos os alunos. Eu ainda não havia falado com ela. Sabia que a nova professora daria aula para nossa classe, mas ainda não sabia o nome dela.

Quando o sinal tocou naquele dia, eu como sempre fui o primeiro da fila. Naquele tempo, os alunos permaneciam em fila até que a professora os encaminhasse à sala de aula.

Quem chegou para nos encaminhar foi a nova professora. Ela me deu a mão e eu já estava apaixonado por aquela mulher. Fomos para a sala de aula. Sentei na cadeira e fiquei esperando para saber mais sobre a professora.

Eu tinha entre dez e onze anos.

Ela entrou na sala, fechou a porta e começou a falar, mas não me lembro de nada. Nome, matéria, nada. Apenas o fato que vou narrar a seguir:

Na hora do recreio*, depois de correr bastante pelo pátio, o sinal tocou e eu fui correndo para a classe. Fiquei na porta esperando que a professora aparecesse no corredor. Eu ia correndo até ela para ajudar a carregar o material e, assim que a vi, fui em sua direção. Chegando perto dela, fiz uma brincadeira de “vai-e-vem”, enquanto ela ia para a direita eu ia também, como se a cercasse. Ela sorriu e foi justamente nesse momento que meu mundo desabou. Escutei uma voz chamar meu nome. Na verdade aquela voz não disse meu nome. Disse apenas:

- Você pode vim aqui agora mesmo?

Eu não me mexi. Queria ter a certeza que não era comigo.

Vamos! Você aí que estava brincando com a professora, pode vim aqui agora!

Era o que eu mais temia, o diretor Ricardo estava me chamando. Eu não sabia o que fazer. Olhei para a professora achando que ela poderia me salvar. Não salvou. Olhou para mim assustada, também sem saber o que dizer.

Meus amigos estavam na porta da sala, rindo. Eu, sem poder reagir, fui na direção daquele homem que agora parecia um gigante. Nada podia me salvar. Eu passava pelas salas de aula e via todos rindo de mim.

- Onde já se viu esse tipo de brincadeira com a professora? Vem comigo até a diretoria! Antes, peça desculpas para a professora!

Eu estava chorando. Fui até a professora e pedi desculpas. Ela me olhou de um jeito que jamais pude esquecer.

Fui até a diretoria e fiquei ali sentado, escutando o diretor Ricardo falar enquanto escrevia um bilhete que eu deveria trazer assinado na próxima aula. Logo eu que nunca tive uma reclamação estava ali sentado, chorando por causa de uma brincadeira inocente com a professora.

Depois de ter ficado uma hora na diretoria, voltei para a sala de aula. Estava pensando o que eu ia falar para minha mãe. Não conseguia parar de chorar. Aquele corredor parecia que tinha quilômetros. Cheguei na minha sala e antes de entrar, olhei pela janela. Bati e entrei. Toda a classe me viu chorando. A professora veio até mim e levou-me para fora da sala de aula. Ela me abraçou e eu fiquei entre os seus volumosos seios. Todos os meus amigos rindo e eu ali, sem pensar em mais nada. Esqueci diretor, esqueci advertência, esqueci tudo. Era o melhor abraço que eu já tinha recebido e com certeza, ela seria a única professora que eu jamais esqueceria. Pena não lembrar o nome dela, assim poderia adicioná-la naquele site de relacionamento.

Claro, para saber se ela está bem e essas coisas.

" Esse conto faz parte do livro - ACONTECEU COMIGO "

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

ILUSÕES

Essa arte de terrível de criar um mundo à parte.
Essa busca incansável por tudo aquilo que está ao alcance das mãos.
Artur tinha a mania desde pequeno de criar personagens. Dizia para a sua mãe que eram amigos invisíveis. Sem perceber, isso foi tomando conta da sua vida. Começou a amar mulheres invisíveis. Começou a falar sozinho por aí. Estava sempre rindo. Aos poucos foi perdendo o contato com a realidade. Nada chamava sua atenção.
Quando estava fora do seu mundo, era uma pessoa calada, introspectiva. Não sorria, somente respondia ao que era perguntado. Nato observador. Chamava atenção pelo cabelos negros e lisos e a pele branca. Artur sempre estava mergulhado em algum livro ou mergulhado em algum pensamento que ninguém nunca conseguia entender e muito menos descobrir.
Bia, era uma menina completamente diferente. Elétrica, viva. Vivia correndo. Parecia não ter tempo para nada. Cabelos ruivos, longos, rosto sardento. Andava sempre desleixada. Não ligava muito para andar como as outras meninas. Sempre com mochila nas costas, camiseta larga, tênis, calça justa e é claro, mp4. Estudava na mesma escola que Artur. Ele passava e ela ficava olhando. Todos os dias ele passava viajando nos pensamentos e ela ficava olhando. Um dia, sem pretensão alguma, sentou-se do lado de Artur no mesmo ônibus que os levaria de volta pra casa. E no outro dia também e no outro e no outro. Sentava do lado de Artur na escola, no ônibus.
- Queria saber o que você pensa? - disse ela.
- Eu queria saber por que ultimamente você tem sentado do meu lado? - respondeu com uma perguntar Artur.
- Você não sabe que não é nada elegante responder uma pergunta com outra pergunta.
Artur sempre pensava demais. Pensava demais antes de responder.
- Desculpe. Ninguém nunca falou comigo.
- As pessoas também não falam comigo. Também não me importo. Gosto de ouvir minhas músicas. O que você está lendo?
- Ulisses - James Joyce, mas já acabei.
- Você me empresta? - perguntou Bia.
- Você quer mesmo?
- Olha você respondendo com pergunta de novo! Se eu pedi é porque quero! Que música você gosta?
- Não ouço música!
- Você é louco. Olha, você me empresta o livro e eu empresto o meu mp4. Assim podemos conversar sobre tudo. Falamos do livro e de música. O que acha?
Artur que sempre viveu suas ilusões e em um mundo de silêncio. Agora ia pra casa ouvindo música. Bia que sempre ia ouvindo música ia mergulhada no silêncio. Os dois no mesmo ônibus, mergulhados no mesmo mundo...



sexta-feira, 25 de setembro de 2009

COMO VOCÊ*

Eu não sou como você. E também não sou como você gostaria que eu fosse. Desculpe-me. Estou tentando acertar. Na verdade, tento acertar todos os dias e cada vez mais parece difícil agradar você. Janelas fechadas incomodam você. Lixo acumulado, cama desarrumada. Louça na pia e a janta por fazer. Parece que sou apenas isso. Talvez porque eu fique o dia inteiro aqui, tentando criar algo que tire você de onde está e enfim possamos sonhar juntos os mesmos sonhos. Será?
Eu não sou como você. Eu não tenho a alma assim tão nobre. Não sou paciente, não falo como você, mansamente. Eu grito, explodo, xingo quando algo sai errado. Já quebrei tantas coisas, mas uma coisa eu digo com toda a certeza, eu não estou ficando louco. Muito pelo contrário, estou cada vez mais lúcido e eu, nesse meu mundo letárgico, consigo ver as coisas com mais clareza como se eu usasse o tempo todo, óculos de terceira dimensão.
Desculpe-me, não sou como você.
Eu até já fui, quando nos conhecemos, quando resolvemos que caminharíamos juntos todas as tardes depois da nossa vida. Mas devagar tudo foi mudando. Meus olhos foram se abrindo e derrepente o que é importante para você, pode ser que nesse momento, não seja tão importante para mim. Não venha me falar de amor. Não é disso que eu estou falando. Estou falando do meu lado racional. Não posso agora, deixar meu coração falar por mim. Se deixar, farei tudo diferente do que quero. Coração, emoção, sentimentos, deixam a gente assim, mais vulnerável. Não quero ser vulnerável nesse momento. Quero apenas fazer as coisas acontecerem e é difícil "pra caramba". Acordar e tomar café da manhã sozinho. Passar o dia entre sonhos e pensamentos. É tanta coisa na minha cabeça que jogar o lixo, lavar a louça, estender uma roupa no varal passam desapercebidos.
Não sou como você que olha detalhes. Que se importa com as pequenas coisas. Pensamos nesse momento de maneira diferente, além disso mulher, existem mil maneiras de falar as coisas e esse é o ponto. Não pense porque passo o dia todo aqui, morrendo de dor nas costas, mergulhado em pensamentos e poesias que não estou ligado em tudo o que acontece. Sei que abrir a janela é importante para renovar o ar, sei que devo beber água, sei que preciso caminhar, mas agora não há tempo para isso, preciso ficar onde estou para que um dia possamos caminhar juntos de mãos dadas, rindo de tudo isso. Não estou ficando e não vou ficar louco. Ao contrário, renovo-me todos os dias. Não estou preocupado comigo. Estou preocupado em realizar as coisas que são importantes para você, mas esse é um trabalho solitário, ingrato às vezes.
Sou diferente de você. Muito diferente.
Você conhece o português e me corrige. Você lê o que eu não leio, vê o que eu não vejo. Está atenta aos mais sutis detalhes. Percebe tudo. Capta tudo. Certas coisas que nem eu vejo. Você vê.
"Estou tentando ligar para você. O telefone só chama".
Não gosto que saia de casa assim. Não gosto de dormir longe de você. Não gosto de deitar e não falar boa noite. Tenho pesadelos e você não atende esse celular. Que merda.
Queria tanto lhe dizer Bom dia. Dizer que não sou como você queria que eu fosse, mas que vou me esforçar muito para ser. Vou beber água, vou jogar o lixo, abrir as janelas, arrumar as camas, varrer o chão e fazer amor com você (só não prometo todos os dias. Você sabe que não sou mais o mesmo menino de antes), vou ler todos os seus e-mails e respondê-los, vou olhar cada potinho que você deixou na geladeira, vou fazer a janta, lavar a roupa. Se isso trará você para perto de mim, pode ter certeza que farei. Na verdade eu sempre fiz (não todos os dias é verdade), mas eu sempre fiz, sempre cuidei de você. Desculpe-me por ontem. Você estava certa, mas errou no jeito de falar. O mais engraçado foi ver sua briga com o micro-ondas, tentando fazer arroz. Isso foi demais. Pode deixar amor, hoje eu peço o gás.

sábado, 19 de setembro de 2009

A VIDA É ASSIM*

Fui tirado dos braços de minha mãe aos seis anos. Nunca disse nada para ninguém. Nunca reclamei e jamais esqueci aquele momento de dor profunda. Fui jogado em uma família com maiores condições que a minha. Sei o motivo da minha mãe fazer o que fez. Para ela alimentar oito filhos não era uma tarefa fácil. Às vezes, dividíamos um pacote de bolacha. Dormi muitas vezes com isso em minha barriga! Do meu pai, eu não me lembro.
No dia em que aquela mulher veio me buscar para morar com ela, ao olhar, sabia que nada era e nada seria às mil maravilhas. Sabia, na minha inocência, que aquela mulher não era um poço de bondades. Vi minha mãe recebendo o dinheiro de suas mãos e depois, suas lágrimas escorrendo. Havia algo que me assustava.
Fui sem olhar para trás, nem para minha mãe, tentando escapar de tudo aquilo. Não consegui escapar.
A minha nova casa era grande. Ganhei um quarto no fundo da casa. Era simples. Uma cama, um criado mudo, uma garrafa de água. Havia uma comoda, com alguns lençóis e algumas toalhas. Não havia janela, nem banheiro. Ela me colocou no quarto e saiu. Chorei demais. Eu devia ter seis ou sete anos. Tudo ali era novo e não havia mais ninguém. Lembrava da minha mãe chorando quando pegou o dinheiro. Fiquei aliviado porque sabia que por alguns dias, meus irmãos teriam o que comer. Adormeci e fui acordado aos trancos. Aquela mulher dizia que era para ir tomar um banho, pois logo viriam me buscar. Senti um calafrio tomar conta de mim. Nunca esqueci daquela sensação. Chegaram dois homens e uma mulher. Tiraram a minha roupa e um dos homens começou a me examinar. Enquanto isso, a mulher que pagou por mim, discutia com a outra sobre valores. Vi uma pasta de dinheiro. Só depois fui entender que aquela mulher, que minha mãe considerava uma santa, tinha me vendido de novo para outras pessoas por um valor maior. Fizeram eu colocar uma roupa branca e me colocaram num carro com mais seis crianças. Todas pareciam ter a mesma idade. Estavam como eu, assustadas. Na minha idade, eu não tinha a noção de tempo, mas me lembro que o carro que estávamos andou por muito tempo. Quando paramos, todas as crianças foram colocadas em um quarto. Eram depois chamadas uma a uma e gritos eram ouvidos. Hoje sei que aquele lugar tinha um forte cheiro de éter. Estavam todas amedrontadas. Eu só queria sair daquele lugar, mesmo não sabendo onde eu estava. Queria fugir. Minha mãe sempre dizia que eu era muito esperto. Lembro que olhei tudo e vi no canto do teto um alçapão. Foi por ali que escapei com a ajuda das outras crianças. Ainda pude ouvir os gritos de desespero daquelas crianças que tentaram fugir e não conseguiram. Joguei-me no meio do mato porque tive medo que eles me achassem. Passei a noite no meio do mato. Foram horas e horas chorando. Assim que o dia clareou, sai do mato e comecei a andar. Encontrei um carro da polícia e logo me abordaram. Eu estava com fome e chorava. Não conseguia falar e quando falava as palavras eram desconexas. Depois que comi, consegui falar e contar o que havia acontecido. Falei da casa e das crianças e a polícia logo cercava o local. Descobriram que ali funcionava uma clínica clandestina. Eles retiravam os órgãos das crianças e os vendiam. Encontraram corpos de pelo menos cinco crianças e mais cinco foram encontradas ainda com vida. Foram presas três pessoas. Não soube nada sobre aquela mulher. Fui colocado em um orfanato e depois de alguns dias fui adotado por um casal que não podia ter filhos. Eles não souberam da verdade. Não souberam o que havia acontecido comigo e que havia em mim, um passado. Cresci, estudei e virei médico. Cuidava de pessoas idosas.
Num dia que parecia comum, entendi que não existem dias comuns. Entrou no meu consultório uma mulher amparando uma senhora que havia caído no banheiro da sua casa. Eram pessoas humildes que moravam ali na periferia. Olhei aquelas duas e algo soou dentro de mim. Atendi e naquelas conversas de médico e paciente, fui somando informações. Era minha mãe e minha irmã e eu, não disse nada...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

SAUDADE*

Não sinto saudade.
Não sinto saudade de quem, de um jeito ou de outro, está perto de mim. Se sentir falta, ligo, viajo, envio um torpedo, acesso o msn, vou até ela. Saudades eu sinto de quem eu sei que nunca mais verei. Sinto saudade da minha sogra, já falecida, Dona Janete. Sinto saudade de um amigo que foi para o Japão, Carlos Massao e nunca mais nos falamos. Sinto saudade, por exemplo, da casa de Caraguatatuba. Ficava na praia das Palmeiras. Era bem simples, mas foi ali que passei os melhores dias da minha infância. Ela não existe mais. Foi demolida. Fizeram um enorme sobrado. Disso, tenho saudade.
Não sinto saudade da minha mãe. Sei que ela está bem. Sei onde ela mora, sei seu telefone e também sei que posso vê-la quando quiser. Posso falar com ela ao telefone. Posso ainda abraçá-la. Só não sinto saudade. Saudade é, para mim, uma palavra ingrata que faz sofrer duas vezes. Uma vez por lembrar e outra vez por não poder voltar.
Não sinto saudades.
Não adiantaria sentir. Não resolveria nada.
Seria bom sentir saudade e fazer voltar em um passe de mágica. Se pudesse, voltaria justamente na Praia das Palmeiras, lá em Caraguatatuba. Era bom demais. Meus melhores amigos estavam lá, meus melhores dias foram naquele lugar. Andava muito de bicicleta, pescava demais e vivia como um peixe no mar. Lá, aprendi a andar a cavalo, aprendi a amar o vento e conheci Iemanjá. Se sentisse saudade, doeria-me não poder voltar, mas gosto de me lembrar, de recordar sem sentir saudade.
Tenho uma amiga que diz que é impossível viver sem sentir saudade. Que só não sente saudade quem não tem um passado, quem não deixou nada para trás. Eu queria pensar da mesma maneira, mas não consigo. Defino a saudade como algo muito mais intenso, um sentimento muito profundo, íntimo, único... Um sentimento que nos remete às nossas mais profundas lembranças.
Não sinto saudades. Não gosto. Dói demais. Machuca.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

TERRA ESTRANHA*

Faz algum tempo que venho me afastando de tudo.
Afastando-me principalmente das pessoas.
Criei para mim um mundo, onde sou meu Deus, meu rei, meu escravo, minha prisão e minha liberdade. Cansei dessa mania que se criou de odiar livremente. Hoje as pessoas estão más. Basta um esbarrão e se ganha um inimigo. Se pudesse, as pessoas jogariam as outras nos trilhos do metrô só para poderem pegar seu lugar. Todos viraram inimigos.
Faz algum tempo que decidi viver sozinho, mesmo cercado de vizinhos e morando num bairro de mais de 500.000 pessoas, não conheço e não converso com ninguém. Mesmo assim, as pessoas me olham com aquele olhar de indiferença.
Do meu mundo, consigo ver melhor os absurdos. Consigo ter um discernimento melhor sobre como pensam as pessoas e olha, mesmo distante, assusto-me com o pensamento e atitudes de algumas pessoas.
Tenho sim alguns contatos virtuais. Falo sim com algumas pessoas que, ainda distantes, parecem ser reais. Percebi que não sou o único que vive numa terra estranha. Várias e várias pessoas sentem-se como eu, isoladas em ilhas e mundos distantes. Encontram-se casualmente para falar de nada e sempre com o dedo apontado para a tecla delete . Se disser algo que não condiz com a realidade que se criou, é só deletar. Cheguei a pensar que eu estava ficando louco por não querer mais contato com as pessoas, mas não sou.
Faz tempo que vivo com as cortinas fechadas. Não sei mais qual é a cor do dia. Às vezes, escuto a chuva, de vez em quando, um sobrevivente toca minha campainha para vender produtos para matar baratas. Os crentes não tocam mais, já sabem que não estou mais aqui. O mais interessante é saber que tudo está adaptado para quem vive como eu. O comércio entrega a compra que preciso. Os mercados funcionam 24hs por dia, posso pagar as contas pela internet, a locadora entrega e retira filmes em casa. O sexo está disponível em todos os canais e como sou casado, não me preocupo muito com isso. Quem sofre com isso é minha mulher, que precisa sair sozinha. Quase não viajamos mais. Não temos amigos, nem parentes que nos fazem visitas. Minha filha ainda vive no mundo exterior. Ainda sai para balada com os amigos, mas às vezes se recolhe e fica também sem querer ver ninguém. A maldade é algo muito aparente. As pessoas que ainda vivem soltas pela terra estranha vão se degladiando e desaparecendo.
Criei um mundo à parte, onde posso ficar como expectador assistindo a derrota do bem.
Quem é do bem, está escondido dentro da sua própria realidade.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

VERDADES*

Definitivamente, aquele não era seu dia de sorte. Se é que esse dia existia. Carlos chegou cedo na empresa de computadores e logo foi chamado pelo chefe. Haviam dado falta de um notebook. Ele era responsável pelo setor e era o único que ficava na empresa depois que todos iam embora.

Quando Carlos conheceu aquela garota, seu sexto sentido dizia que ela seria encrenca certa. Não quis escutar e se deixou envolver. Ela era linda. Dezoito anos. Sorriso envolvente, corpo sedutor. Jámais tinha feito sexo com uma mulher tão intensa como Priscila. No começo e como todo começo, tudo correu às mil maravilhas, até que numa noite de sábado, o telefone toca. Sem pensar, Priscila pede que Carlos vá ao seu encontro. Eram dez horas da noite. A família reunida saboreando uma pizza. Carlos era pai de duas moças. Uma de quinze anos e uma de 11 anos. Estava casado há mais de 20 anos. Claudia era uma mulher extremamente presente em tudo. Já haviam discutido sobre a mudança repentina de comportamento de Carlos. Ele andava aéreo. Não dava atenção direito para as filhas e nem para a esposa. Andava gastando demais com cartões de crédito. Logo ele que sempre andou corretamente com tudo.

- Quem era no telefone?

- Um cliente que está com problemas no computador e precisa de manutenção. É aqui perto. Vou e volto num pulo.

- Você vai sair agora?

- Preciso formatar o computador dele. É um cliente muito importante. Tem uma firma e sempre faz a manutenção com a gente. Ele ligou para os técnicos e não conseguiu falar com ninguém e como sempre atendo, ele me ligou.

Ela sabia que ele estava mentindo. Carlos não era de dar explicações. Ele também não era de sair de casa no sábado à noite para atender clientes em domicílio. Com o coração partido e com todas as dúvidas e inseguranças, Claudia consentiu. Viu Carlos se arrumando, pegando a chave do carro, abrindo a porta, despedindo-se com um beijo frio e seco...

Carlos estava nervoso.

Encontrou Priscila no mesmo lugar de sempre. Ela, para variar um pouco, estava totalmente exuberante. Seios quase à mostra, pernas expostas. Andava assim pelas ruas. Morava com uma avó depois que seus pais resolveram se separar. Disse que não iria ficar com nenhum dos dois e não ficou. Abandonou os estudos. Quando não estava trancada no seu quarto, estava com os amigos bebendo. Já havia sido detida algumas vezes por pequenos delitos. Abusa da avó. Sabia que sendo a única neta, tinha quase todos os seus pedidos atendidos. Priscila gostava de arriscar. Sempre.

- Já não pedi para você não me ligar em casa?

- Ah, meu amor, desculpa. Tava sozinha. Queria ver meu garanhão. Tô morrendo de vontade de você.

- Priscila, não posso demorar. Hoje é sábado, estão todos lá em casa. Minhas filhas, minha esposa. Não posso demorar.

- Tá bom. Vamos dar uma rapidinha. Eu aceito. Melhor que nada. Vamos, me leva pra algum lugar.

Carlos se sentia dominado por aquela menina. Ficava bobo, entregue, sem ação. Adorava sua vitalidade, sua energia, sempre disposta a tudo. Ela não tinha medo de nada e ele se sentia assim. Quando estava com ela esquecia tudo. Ria, divertia-se, falava, até planos fazia. Depois, quando voltava para casa, o mundo parecia ruir. Fizeram amor até amanhecer. Carlos não sabia o que ia dizer em casa. Não podia tomar banho e sua roupa estava com o cheiro daquela noite. Vestiu as roupas, deixou dinheiro para que ela fosse de táxi e o notebook que ela havia pedido de presente.

Saiu sem pensar em nada. Não conseguia pensar em mais nada. Fazia mais de 6 meses que estava naquela vida. Tudo estava uma grande bagunça. Seu casamento desmoronando, o trabalho cada vez pior e aquele menina que exercia um poder sobre ele. Decidiu que não voltaria para casa. Deixou o carro em uma rua qualquer e saiu caminhando. Não levou nada. Apenas a carteira. Parou em um bar. Abriu a carteira e viu a foto das filhas. Letícia e Gabriela. Lembrou da esposa e de tudo o que ela havia passado nesses anos todos. Viu-se encurralado. Sem perspectivas e sem caminho. Passou o domingo andando.

Definitivamente, aquele não era seu dia de sorte. Se é que esse dia existia. Carlos chegou cedo na empresa de computadores e logo foi chamado pelo chefe. Haviam dado falta de um notebook. Ele era responsável pelo setor e ele era o único que ficava na empresa depois que todos iam embora.

- O que aconteceu com você? Nunca vi você assim! Todo mal vestido, barba por fazer. Parece que não dormiu!

- Não sei o que aconteceu com o notebook. Vou ver se dei alguma saída errada.

- Carlos, além disso, há também um desfalque no caixa. Fechamos com dois mil na sexta feira. Hoje abrimos com mil reais a menos.

- Não sei o que dizer.

- Você foi o último a sair na sexta feira.

- Não consigo pensar. Aconteceram-me tantas coisas. Preciso comer alguma coisa, lavar o rosto e ligar para minha casa. Depois vejo o que houve.

- Carlos, tem gente aí te procurando.

Carlos olhou e viu a sua esposa entrando com a polícia. Ela chorava muito.

- Senhor Carlos, o senhor conhece Priscila Thomaz?

Olhou para a esposa. Sabia que havia acontecido alguma coisa. Não havia mais como mentir.

- Conheço sim.

- Ela foi encontrada morta no Hotel Alameda. O registro do hotel diz que o senhor esteve com ela. Preciso levá-lo até à delegacia. Foi encontrado esse notebook com ela e essa quantia em dinheiro. O senhor conhece esse computador? Tem o nome dessa empresa!

Carlos olhava para a esposa, olhava para o chefe e pensava nas filhas...

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

AMOR MENDIGO*

Sempre gosto de alguém. Sempre procuro dar o melhor de mim. Ser leal, ser fiel e me vejo sempre sozinha e recebo sempre um: "agora não quero me amarrar" ou "não crie ilusões" ou ainda "não me espere".

E ninguém para me dizer onde é que eu estou errando.

Será que sou amiga demais, será que sou boazinha demais?

Não sei ser diferente...

Quero continuar acreditando em um príncipe encantado, quero continuar acreditando que vale a pena gostar de alguém de verdade, quero acreditar que em todos os momentos preciso ser eu. Não é possível que tenho que mudar, não é possível que deva ser má!

Não gosto de brincar de amar. Não quero me sentir apenas um remédio. Quero alguém que goste de mim de verdade, pelo que sou. Não quero alguém que me queira bem. Quero declarações, quero mensagens, cartas de amor.

Será que sou errada pensando assim?

Será que todo romantismo se perdeu?

Não quero que tenham dó de mim... Quero amor de verdade... Um bem querer que me faça bem... Quero alguém que goste de mim, que goste das coisas que eu faço, das coisas que gosto... Quero alguém que me ligue no meio da noite para dizer que acordou pensando em mim... Não quero andar por aí mendigando amor... Não quero ser estepe... Não quero que me procurem quando não tiverem mais ninguém... Quero que sintam minha falta, quero que venham atrás de mim... Não posso ser errada... As pessoas do meu lado se dando bem e eu apenas ganhando amigos... Às vezes penso em acabar com tudo. Apagar amigos, rasgar fotos, esconder-me para que ninguém me ache...

Não vou mais mendigar amor. Não vou mais ficar vasculhando corações, não vou ficar correndo atrás feito cão sem dono! Não vou mais abrir meu coração, não vou mais permitir que beijem minha boca sem sentirem nada. Se quiserem uma amiga, serei apenas amiga e nada mais. Vou deixar meu coração de lado, vou matar minhas emoções e sentimentos. Não serei mais a mesma. Nem esperarei mais quem nunca chega.

Serei eu, fechada em mim. Vivendo meus sonhos e minhas fantasias sem dizer nada para ninguém, pois eu sei, um dia aquele alguém especial ira bater em minha porta. Aquele alguém surgirá em meio às nuvens das minhas incertezas. Alguém surgirá e roubará meu coração e fará parte de um sonho que já sonhei e já vivi.

Eu sei...

- do blog - doces descobertas - http://descobertasdoces.blogspot.com

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

ALÍ*

Não sei quanto tempo eu estava ali. Era um lugar abafado, escuro e sem ventilação. Eu sabia que estava chovendo porque escutei a chuva nas telhas. Não existiam frestas e o ar era pouco. Ficava deitado o tempo todo. Meus pés estavam acorrentados, minhas mãos presas e havia uma mordaça em minha boca.
Ouvia vozes, muitas vozes. Às vezes, ouvia o barulho da porta se abrindo e alguém chegando perto de mim. Desta vez tiraram a mordaça da minha boca. Antes eu os escutei falando com alguém. Ouvi dizer que o tempo estava acabando. Não sei com quem falavam. Sabia que era alguém da minha família. Todos deviam estar apavorados.
- Fala alguma coisa! Querem uma prova que você está vivo!
- Alô. Eu estou bem. Dê logo o que eles querem. Quero voltar pra casa!
As lágrimas caíram. Era inevitável ouvir a voz de quem se ama e não poder falar nada. Senti saudades, senti dor, senti medo. Eles queriam dinheiro, estava claro. Era questão de tempo e eu não estaria mais ali. Tinha certeza que tudo acabaria bem. Logo estaria em casa. Amordaçaram minha boca novamente. Sentia sono. O colchão era fino como papelão. O lugar úmido.
Parecia que fazia anos que eu estava ali. Apesar de tudo, tinha sorte. Eles não me bateram. Não me torturaram, apenas me deixaram acorrentado. Pensava em tudo. Na minha mãe, na minha mulher, na minha filha. Pensava em tudo o que devia ter dito e não disse. Pensei como eu era egoísta. Pensei no novo eu, se saísse de lá vivo. Pensei também na minha morte. Como seria sem mim. Como viveriam! Eles estavam cobertos e seguros para o resto da vida. Vi minha família chorando. Amigos. Não queria morrer daquele jeito. Morrer e ser jogado numa vala qualquer. Nunca havia rezado e derrepente me peguei orando, rezando, falando com Deus. Se fosse minha hora, que Deus amparasse minha família. Pedi perdão a Deus por tudo o que fiz. Adormeci.
Acordei com vozes e com uma certa agitação. A porta abriu de novo e senti me pegarem com força. Senti uma forte pancada na cabeça e desmaiei.
Não sei quanto tempo depois acordei. Estava sem a mordaça, sem a venda nos olhos. Estava no porta malas de um carro. Sentia apenas os solavancos da estrada. Mais uma vez me vi rezando. Não sabia se iam me libertar ou se iam me matar. O carro parou. Abriram o porta malas e pela primeira vez, depois de algum tempo, pude sentir o ar fresco. Era noite. O lugar escuro. Tentei olhar em volta, não havia nada. Eram quatro homens. Bem armados.
Colocaram-me de joelhos e sem falar nada, atiraram...
Acordei na hora. Vi o bilhete da mega sena em cima da mesa e o dinheiro para apostar. Levantei, fui até a mesa, guardei o dinheiro e rasguei o volante. Não queria mais saber daquilo. Não queria correr riscos e nem colocar em risco quem eu amava... Aqueles tiros me despertaram para minha verdade...