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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

DUAS VIDAS

Meu nome é Manuela, tenho 32 anos, solteira, não tenho filhos, não tenho marido, namorado, não tenho na verdade ninguém. Moro sozinha em um apartamento de um bairro classe média. Vigésimo terceiro andar. Tenho a sensação que o mundo é bem menor do que parece. Da sacada do apartamento consigo dimensionar o quão insignificante somos. Trabalho em uma multi nacional, como secretária executiva. Tenho meu carro, meu apartamento e uma família destroçada. Mãe com problemas psicológicos, pai alcolatra e irmãos que não fazem nada. Eu também não faço nada diante do que deveria fazer. Resolvi abrir deles e viver minha vida. Cansei de ser a filha mais velhas. Cada um que cuide da sua vida. Mando dinheiro todo mês e eles que se virem. Eu cuido de mim. Sou crítica, metódica, organizada, limpa. Não conseguiria viver em meio a gatos, cachorros, abandono. Sempre fui independente. Estudei muito, trabalhei duro. Nunca pedi nada para ninguém. Sou bem resolvida. Não preciso desse amor de hoje em dia. Tenho o homem que eu quiser e a hora que eu quiser. Não quero ninguém na minha cama por mais de uma noite. Detesto acordar e ver roupas jogadas, banheiro molhado. Gosto de ordem. Sexo é apenas uma maneira de aliviar a tensão e o estresse. Não sou santa. Não combina. Santas e cama não combinam.
Naquela manhã de Outubro acordei tarde. Sábado nublado. Fiz uma hora de esteira, tomei meu banho e sai para tomar meu café de rotina na padaria que ficava a uma quadra do prédio onde eu morava. Eram poucos passos, Chegava, pedia meu café, sentava e ficava olhando o movimento das madames com seus cachorros. Não entendia como uma pessoa saia com seu cachorro e ficava em seguida recolhendo suas fezes. Não combinava com animais. Não conseguia me ver abaixando e recolhendo dejetos de um cão. Meu telefone tocou. Pelo identificar vi que era da casa dos meus pais. Eles moravam em uma cidade vizinha. Uma hora indo de carro. Era um dos meus irmãos dizendo que meu pai estava internado em coma. Havia bebido demais. Caiu e bateu a cabeça. Seu estado era grave. Eu não queria me envolver. Desde pequena nunca me envolvi. Fazia o que tinha que fazer e nada mais me interessava. Quando era apenas eu, meu pai e minha mãe tudo estava bem, mas depois que meus irmãos gêmeos nasceram, nada mais era para mim. Eu era criança, eu não entendia e eles não me fizeram entender. Cresci com a magoa do desprezo. Vi minha mãe se acabar por causa do vício do meu pai que começou a beber assim que perdeu um emprego de mais de vinte anos. Gastou o dinheiro em jogos, mulheres e bebida. Foi ai que percebi que minha família não era a dos sonhos e que eu precisava cuidar da minha vida. Mesmo diante de tudo isso, não podia deixar meu pai em um hospital qualquer. Peguei meu carro e fui ver meu pai. Chovia e eu era uma dessas pessoas que não gostava de dirigir com chuva. A estrada era horrível e numa dessas curvas, capotei com o carro...

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

ARREPENDIMENTOS

Ninguém na sua mais perfeita consciência, entra em um relacionamento para perder ou para viver apenas alguns momentos de felicidade. A felicidade de um relacionamento não é algo do dia para a noite. Leva tempo.
Quando entrei naquele relacionamento, eu sabia que só tinha a perder e que era um relacionamento com prazo de validade. Dia para começar e hora para terminar. E eu perdi. Minha paz. Ela era jovem, bonita, inteligente, independente. Tipo mulher que sabe o que quer e ela sabia. Nos conhecemos por acaso. Coisa de destino. Eu estava bem. Trabalhava, estudava. Tinha família e os amava. Ela morava só num apartamento na Frei Caneca. Perto da faculdade. Eu estava na entrada da faculdade e ela passou. Irresistível. Parecia mesmo uma caçadora. Conhecia suas presas. Sabia da sua beleza e do seu poder de sedução e eu me achando o mais bam-bam-bam de todos cai no jogo. Entrei de besta. Mesmo sabendo qual seria o resultado no final. Ela passou por mim e lançou um olhar que me atravessou a alma. Depois o perfume que me deixou petrificado. Eu queria saber mais. Precisava. Ela era a caçadora e eu a isca. Ela andava devagar. Ancas largas. Calça branca, salto alto. A blusa de um tecido esvoaçante, deixava o ombro a mostra. Um rosa leve. O sutiã era da mesma cor da blusa. Percebi pela alça exposta. Caminhar leve. Parecia estar desfilando. Os cabelos eram na altura do ombro. Negros e levemente ondulados. A bolsa era de grife apesar de eu não conhecer nenhuma. Por favor não me pergunte a cor. Sou péssimo para isso. Ela entrou em uma lanchonete e eu entrei atrás. Me posicionei perto. Não queria perder nenhum gesto. Queria olhar de novo para aquele rosto. Ela não poderia ter mais de 25 anos. Deveria ser estudante também. Percebi o pedido. Uma garrafa de água. Sentou-se, abriu a bolsa, tirou o celular e um maço de cigarros. Acendeu sem cerimonia e deu uma leve tragada. Eu ali, perdendo aula, viajando no que poderia acontecer. Já imaginava ela numa cama bem macia, me envolvendo com seus beijos, com seu corpo. Percebi que ela tinha seios volumosos. Tudo isso me deixou ainda mais euforico. Parecia um bobo. Pedi um refrigerante e fiquei disfarçando sem ter coragem para um abordagem. Nunca fui bom com essas coisas. Se dependesse de mim, iríamos ficar alí. A lanchonete era na verdade um café. Tinha muitos livros, cds, música, espaço para bate papo, leitura, video. Algo bem confortável. Com os olhos dei uma volta pelo local e pude ver o tipo de pessoas que frequentavam aquele espaço. Eram pessoas bem descoladas. Senhores que liam jornais. Mulheres com amigas degustavam um café. Fiquei distraído e quando dei por mim, ela me olhava. Parecia que lia meus pensamentos. Soltou um leve sorriso e me chamou com dedo. Algo do tipo: vem aqui vem. Senti meu rosto pegar fogo. Levantei e fui até ela, totalmente sem graça.
- Olá, sente-se. Você estava na porta da faculdade não estava?
- Estava sim. Está muito quente e como não tenho a primeira aula vim tomar um refrigerante.
- Ah que pena! Pensei que você tinha vindo atrás de mim.
Naquele instante eu já não tinha mais como fugir.
- Para ser sincero eu vim sim atrás de você. Mas não me pergunte porque!
- Eu sei porque. Você quer me comer? Tá cheio de tesão.
- Não. Imagina. Achei você muito bonita, achei que...
- Achou que poderia encontrar em mim uma mulher para saciar seus desejos... Sabe, eu também de gostei de você. Quando passei e te vi alí parado eu disse para mim - esse homem eu levaria para a cama. Quando vi que veio atrás de mim, fiquei molhada.
- Nem sei o que dizer.
- Apenas diz no meu ouvido que você quer me comer!
E me puxou pela camisa me levando bem perto do seu ouvido. Eu sem pensar disse:
- Eu quero comer você!
Ela levantou, pegou pela minha mão, esperou que eu pagasse pela água e pelo refrigerante e me levou para fora. Deu sinal para um táxi e me jogou dentro. Indicou ao motorista um hotel alí na região mesmo. Eu não pensava em nada. Estava excitado. Ela me beijava, colocava a mão em minhas coxas, acariciava meu peito. Eu podia sentir aquela mulher em minhas mãos. O seu perfume, seu hálito, seu calor. Ela conduzia-me da forma que bem entendia. O táxi parou e descemos. Paguei pelo táxi. Na portaria ela comprimentou o porteiro, pegou a chave e me levou até o elevador. A porta abriu e eu não pensava mais em nada. Queria apenas comer aquela mulher. Fomos para o décimo segundo andar. A porta do apartamento se abriu e pude ver um pouco da sua intimidade. Era com certeza um flat. Quarto, sala e banheiro. Tudo bem arrumado. Ela não queria saber de nada. Foi tirando a roupa e mostrando a belo corpo. Seios fartos e firmes. Uma pele de veludo e um olhar de quem realmente sabia o que queria. Ficou apenas de calcinha e salto alto. Tinha tatuagens pelo corpo, piercing no umbigo. Unhas longas. Me puxou para o quarto e disse:
- Você quer me comer quer?
- Quero!
- Então diz, diz que quer me comer?
- Eu quero comer você...
(continua)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

SOLIDÃO

A solidão foi comendo tudo que havia em mim.
Já não conseguia pensar direito e o que via, eram sombras. Sombras de tudo o que vivi.
Havia culpa demais em mim. Nada do que eu fizesse ou do que tentasse fazer, diminuiria aquela sensação. Eu estava sozinho. Muitas vezes eu chorava nas tantas noites que não conseguia dormir. Eu sabia. Eu sempre soube.
Ainda restava o prazer do abraços vazios dos meus filhos. Uns eram pequenos e não me condenavam. Os outros já me conheciam um pouco melhor.
Aos poucos fui morrendo sem perceber. Já não tinha ânimo para mais nada. O trabalho era a única forma que havia de esquecer por um momento. A solidão corroía meu eu. Estava tudo estampado em mim. Tatuado em minha alma. Fui definhando. Comia mal, dormia pouco. Tentava disfarçar e viver. Mas sentia a vida fugindo de mim.
Meus pais estavam distantes. Amigos eram nenhum. Família duas desfeitas. Morando numa casa fria, sem vida. Nada mais me dava alegria. Tentei remediar, consertar, mas algo ainda queimava em mim. As ruas sempre sem ninguém. Avenidas, vielas, becos.
A solidão fez de mim escravo. Tirou toda a cor do meu dia. Me condenou a vagar por aí. E vago por ai. Rastejando, comendo o resto que me é de direito. A mesa sempre vazia. A cama sempre fria.