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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

CORAGEM*

Eu precisava vê-la de qualquer maneira.
Quem sabe assim, frente e frente, eu pudesse dizer tudo o que eu pensava. Mas não sabia como fazer. Morávamos longe, o acesso era difícil. Além do mais, não tínhamos tanta intimidade assim. Eramos próximos e distantes. Difícil explicar. A única certeza que eu tinha é que eu precisava vê-la. Precisava falar. Acordei cedo e fiquei pensando todas as possibilidades para provocar um encontro. Ela não tinha telefone e a época não era de telefonia celular, e-mails, orkut, nem nada disso. Os orelhões usavam ainda a velha ficha telefônica. Nos coletivos, as pessoas entravam pela porta de trás e desciam pela porta da frente. Bons tempos.
Não tinha outra opção. Ou ia até a casa dela e falava tudo ou esquecia tudo. Eu não era e nunca fui de esquecer. Não ia desistir, não podia. Novamente me pus a pensar. Deveria haver algum jeito. Ir até a escola dela? Não. O noivo dela ia sempre buscá-la. Na casa, não dava, por causa da mãe e da irmã. Não podia me expor. Juro que fiquei dias e dias arquitetando um jeito. Pensei em todas as possibilidades. Não achava saída.
Foi então que me veio a idéia de mandar um telegrama como se fosse uma agência de empregos. Eu sabia que ela estava procurando emprego. Perfeito. Assim saberia perfeitamente o dia, horário e onde ela estaria. Não pensei duas vezes. Fui até o correio e tratei de escrever:

Prezada senhora,

solicitamos que compareça dia tal, no horário tal, a rua tal, para entrevista de emprego e possível encaminhamento para vaga efetiva. Trazer documentos e curriculum.

Atenciosamente
Agência tal

Senti meu coração saltando da boca. Estava eufórico, nervoso, ansioso, com medo de que ela não fosse, com medo de que ela fosse com o noivo que não desgrudava dela. Eu iria ficar de longe, olhando. Caso percebesse que ela estivesse acompanhada, eu daria meia volta e sumiria na multidão.
No dia combinado, uma hora antes eu estava lá, quase disfarçado. Eu transpirava, estava ofegante. Não sabia qual seria a reação dela ao me ver. Poderia simular que era coincidência. Que eu estava lá por acaso. E se ela não acreditasse? E se ela fosse áspera? Ela sempre teve uma postura muito séria. Era impossível saber o que ela pensava. Como já disse antes, eu não tinha tanta intimidade assim. Eu deveria estar preparado.
A cidade era enorme e, calculando tudo, sabia mais ou menos de onde ela viria. Fiquei olhando de longe, quando derrepente, eu a vi. Ela andava apressada. Não queria correr o risco de chegar atrasada. Fiquei de longe olhando e comecei a me sentir mal por tudo aquilo. Fazê-la sair de casa, apressada, andar correndo pela cidade para realizar um desejo meu, para falar de um sentimento que eu nem sabia, ao certo, se existia. Bateu um arrependimento em mim. Derrepente, a coragem começou dar vazão às piores sensações. Ela foi se aproximando do endereço e eu olhando sem dizer nada, sem dar um passo em sua direção. Fui tomado por uma sensação de pânico. Virei as costas e fui embora sem dizer nada. Fiquei andando como barata tonta. Decidi voltar e falar com ela. Ela não estava mais. Era óbvio, não havia entrevista nenhuma. Fui correndo. Eu sabia onde ela tomava o ônibus para casa. Fui diminuindo a velocidade dos passos já na intenção de não alcançá-la. Derrepente eu vi que ela vinha no mesmo sentido que eu, mas a multidão fez com que ela não me visse. Eu me esquivei e vi ela parar em um orelhão. Ela estava triste. Com certeza, estava ligando para o noivo. Decidi deixar tudo de lado. Deixar tudo para trás.
Ela nunca saberia que fui eu que tentei desviá-la do seu caminho.


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