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domingo, 29 de novembro de 2009

NADA RESTOU*

Quando ela o conheceu, estava entrando na casa dos dezesseis anos.
Renunciou a tudo e a todos para viver aquele sentimento, e assim o fez.
O tempo, como sempre, implacável e quando nos faz velhos, dá-nos a percepção que antes não tínhamos. Deixa nossos sentidos muito mais apurados e nos faz perceber detalhes que antes não percebíamos.
Por que, então, ela não abria suas asas para voar?
Por que ela ainda se prendia àquela história, se tudo já fora escrito?
Por que ela não rasgava seu peito e se entregava para o mundo?
Talvez o medo. Medo de ficar sozinha. Medo de não saber mais gostar de ninguém. Medo de voar e não ter mais um ninho para pousar.
Assim, passaram-se vinte e seis anos. Tempo de uma dedicação louca. Tempo de uma entrega absurda. Até mesmo uma renúncia tem o tempo certo.
Ela estava triste. Sem vontade de mais nada. Queria fugir para esquecer tudo. Queria voltar renovada para viver, agora, a felicidade que enfim havia encontrado.
Mergulhou de vez nos estudos. Entregou-se de coração.
Começou, enfim, a viver. Começou, enfim, a perceber que a vida não se resumia a um único sentimento. Além do mais, tudo aquilo que vivera, fora superficial demais. Olhava para trás e não via nada. Havia apenas uma estrada vazia. Apenas seus passos e nenhum mais.
Lembro-me uma vez, de uma conversa informal em que ela me confessou que seus sentimentos já não eram os mesmos. De uns tempos para cá, percebi que não eram mesmo.
Ninguém ama por obrigação. Amar assim, deixa de ser amor, deixa de valer à pena.
Agora só havia tristeza e dor. Dor, por acordar sem um carinho. Dor, por se sentir sozinha. Dor, por sentir que nada valeu.
Ela era uma bela mulher. Todos a viam forte e nunca enxergaram nela, a fragilidade, a doçura. Nunca estenderam a mão para socorrê-la. Quem a socorria nos momentos de aflição não está mais entre nós. Ela não conseguia gritar. Não conseguia dizer. Sentia-se pronta para viver sem coragem de bater as asas em busca da liberdade. O seu mundo não era mais o mesmo.
Agora, dois lados; o colorido e o branco e preto.
Queria amor. Amor de verdade. Sem as velhas obrigações. Sem se sentir obrigada a falar o que não tinha vontade. Nada mais a prendia. Sua cabeça fervia. Não queria mais escutar aquelas palavras já tão sem sentido. Não queria mais ouvir aqueles sons à noite. Queria deitar e dormir em paz. Queria apenas se sentir uma mulher de verdade. Sentia-se uma mulher sim, mas pela metade... Tinha asas e ainda muito medo de voar.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

NÃO ERA NADA*

O mais é engraçado é o poder da imaginação.
Imaginar alguém que nunca se viu. Imaginar o cheiro, o gosto do beijo, o calor do abraço.
Eu a conheci através de uma amiga que também não conhecia. Eramos amigos virtuais desses sites de relacionamento que existem. O legal é que você vê a foto da pessoa, lê um perfil que só fala das qualidades. Foi assim que, através de uma amiga virtual, conheci essa outra mulher. Nos tornamos amigos e descobrimos afinidades. Na verdade, desenhamos afinidades. Sempre que se conhece alguém virtualmente, desenhamos tudo. Imaginamos tudo. Não tínhamos nada em comum. Ela estava se separando, após uma traição. Contou-me todos os detalhes. Eu, casado, feliz e sem nenhum tipo de problema, a não ser os que sempre procuro e acho.
Papo vai, papo vem. As tardes foram ficando mais intensas. Nossos bate papos eram sempre frequentes. Intensos. Falamos de tudo. Em poucos momentos ela me perguntou da minha família e do meu relacionamento. Eu estava tranquilo. Adorava conversar com ela. Vê-la na webcam. Ela não morava em São Paulo. Sabia que nada iria acontecer, mas o poder da imaginação, o poder de sonhar, de desenhar o que se quer...
Um belo dia ela disse que viria para São Paulo na casa de uma amiga. Disse que assim poderíamos nos conhecer. Eu disse que sim, sem pensar direito no que dizia. Percebi que não haveria mal algum. Conhecer pessoas faz parte da vida. Conhecemos pessoas todos os dias. Muitas pessoas. Milhares. Disse que sim e marcamos de nos encontrar.
Eu fui sem pretensão. Queria ver se a sensação era a mesma. Real e virtual num mesmo instante. Marcamos de nos encontrarmos de manhã, num café. Ela chegou e se eu me lembro bem, ela estava vestida de branco, cabelos bem mais longos e óculos escuros. Nos cumprimentamos, quebrando o gelo. A sensação não foi nada agradável. Não houve a mesma sintonia. Respirei aliviado. Sentamos, conversamos um pouco. Falei sobre renúncia, sobre encontros. Ela ouviu e sorriu. Disse, em breves palavras, que poderíamos sair dali se tudo fosse diferente. Eu não tive reação. Ela não era nada daquilo que eu imaginava. Eu também não era para ela. Gentilmente disse que precisava ir embora. Havia combinado de sair com as amigas. Paguei o café e nos despedimos. O mais breve contato, foi um selinho e nada mais.
Ela atravessou a rua e sumiu. Tentei contato algumas vezes. Ela deletou seu perfil do site de relacionamento, não atendeu mais o telefone.
O poder da mente de nos levar aonde nem imaginamos. Tudo foi uma grande besteira. Tudo foi uma loucura. A realidade é muito diferente. Não se funde com a imaginação que inventamos.
Minha outra amiga virtual, eu cheguei a conhecer. Virou uma grande amiga. Mas com o tempo também desapareceu.
Pessoas virtuais são pessoas que existem hoje e amanhã, quem sabe...

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

CORAGEM*

Eu precisava vê-la de qualquer maneira.
Quem sabe assim, frente e frente, eu pudesse dizer tudo o que eu pensava. Mas não sabia como fazer. Morávamos longe, o acesso era difícil. Além do mais, não tínhamos tanta intimidade assim. Eramos próximos e distantes. Difícil explicar. A única certeza que eu tinha é que eu precisava vê-la. Precisava falar. Acordei cedo e fiquei pensando todas as possibilidades para provocar um encontro. Ela não tinha telefone e a época não era de telefonia celular, e-mails, orkut, nem nada disso. Os orelhões usavam ainda a velha ficha telefônica. Nos coletivos, as pessoas entravam pela porta de trás e desciam pela porta da frente. Bons tempos.
Não tinha outra opção. Ou ia até a casa dela e falava tudo ou esquecia tudo. Eu não era e nunca fui de esquecer. Não ia desistir, não podia. Novamente me pus a pensar. Deveria haver algum jeito. Ir até a escola dela? Não. O noivo dela ia sempre buscá-la. Na casa, não dava, por causa da mãe e da irmã. Não podia me expor. Juro que fiquei dias e dias arquitetando um jeito. Pensei em todas as possibilidades. Não achava saída.
Foi então que me veio a idéia de mandar um telegrama como se fosse uma agência de empregos. Eu sabia que ela estava procurando emprego. Perfeito. Assim saberia perfeitamente o dia, horário e onde ela estaria. Não pensei duas vezes. Fui até o correio e tratei de escrever:

Prezada senhora,

solicitamos que compareça dia tal, no horário tal, a rua tal, para entrevista de emprego e possível encaminhamento para vaga efetiva. Trazer documentos e curriculum.

Atenciosamente
Agência tal

Senti meu coração saltando da boca. Estava eufórico, nervoso, ansioso, com medo de que ela não fosse, com medo de que ela fosse com o noivo que não desgrudava dela. Eu iria ficar de longe, olhando. Caso percebesse que ela estivesse acompanhada, eu daria meia volta e sumiria na multidão.
No dia combinado, uma hora antes eu estava lá, quase disfarçado. Eu transpirava, estava ofegante. Não sabia qual seria a reação dela ao me ver. Poderia simular que era coincidência. Que eu estava lá por acaso. E se ela não acreditasse? E se ela fosse áspera? Ela sempre teve uma postura muito séria. Era impossível saber o que ela pensava. Como já disse antes, eu não tinha tanta intimidade assim. Eu deveria estar preparado.
A cidade era enorme e, calculando tudo, sabia mais ou menos de onde ela viria. Fiquei olhando de longe, quando derrepente, eu a vi. Ela andava apressada. Não queria correr o risco de chegar atrasada. Fiquei de longe olhando e comecei a me sentir mal por tudo aquilo. Fazê-la sair de casa, apressada, andar correndo pela cidade para realizar um desejo meu, para falar de um sentimento que eu nem sabia, ao certo, se existia. Bateu um arrependimento em mim. Derrepente, a coragem começou dar vazão às piores sensações. Ela foi se aproximando do endereço e eu olhando sem dizer nada, sem dar um passo em sua direção. Fui tomado por uma sensação de pânico. Virei as costas e fui embora sem dizer nada. Fiquei andando como barata tonta. Decidi voltar e falar com ela. Ela não estava mais. Era óbvio, não havia entrevista nenhuma. Fui correndo. Eu sabia onde ela tomava o ônibus para casa. Fui diminuindo a velocidade dos passos já na intenção de não alcançá-la. Derrepente eu vi que ela vinha no mesmo sentido que eu, mas a multidão fez com que ela não me visse. Eu me esquivei e vi ela parar em um orelhão. Ela estava triste. Com certeza, estava ligando para o noivo. Decidi deixar tudo de lado. Deixar tudo para trás.
Ela nunca saberia que fui eu que tentei desviá-la do seu caminho.


quinta-feira, 19 de novembro de 2009

BRIGAS*

Nossa briga de ontem me fez pensar.
Quantas palavras amargas, palavras que machucam. Tudo por uma besteira.
Você não conseguiu entender o que eu falava e eu não entendi porque derrepente, você virou para mim, um monstro. Veio com tudo para cima de mim. Falando, acusando-me de coisas absolutamente sem sentido. Falou de provocações, de ciúmes. Acusou-me de falta de atenção, de falta de desejo. Falou que eu me preocupava mais com minhas amigas do que com nossa vida. Falou do meu trabalho, da minha carreira.
Pela primeira vez em quatro anos de casados, dormimos sem falar uma palavra sequer. Cada um absorvido em seus pensamentos. Certos de tudo o que foi dito. A noite não passou. Pela primeira vez pensei se havia feito a escolha certa. Vi o dia nascer, sentada no sofá. Ele dormiu no quarto e em nenhum momento, levantou à noite para ver como eu estava. Ao contrário, chegou a roncar. Sempre foi assim. Ele parecia inatingível. Sempre fora assim. Apesar de me tratar sempre docemente, tinha uma postura meio que severa.
Senti-me só. Como há muito tempo não me sentia.
Quando o sol tocou a janela, tomei um banho e quando saí do banheiro, ele já estava de pé. Lia o jornal na mesa e suas primeiras palavras foram:
- Você não fez o café?
Entrei no quarto, troquei de roupa, peguei a chave do carro e saí sem dizer nada. Estava extremamente magoada. Dirigi olhando para o celular na esperança que ele tocasse e eu ouvisse a voz dele. Nada aconteceu.
Ainda era muito cedo e eu não havia comido nada, senti meu estômago reclamar. Parei em um posto de gasolina e fui comer alguma coisa. Havia algumas pessoas tomando seu café da manhã. Sentei em um lugar meio que afastado e pedi à garçonete um suco de laranja, um pão com manteiga e um café com leite. Comi e ele não saía do meu pensamento. Suas palavras tão rudes, pesadas, carregadas de ressentimentos e mágoas. Comi que nem senti o gosto de nada. Na hora que fui pagar, percebi que estava sem dinheiro, sem carteira, sem cartão, sem nada. Havia deixado tudo em casa. Liguei para casa para ver se ele podia trazer minha carteira e ele não estava mais em casa. Estava conversando com o gerente que simplesmente me disse:
- Deixe a chave do seu carro aqui e volte depois para pagar o que deve!
Eu não podia deixar o carro ali. Estava longe de casa. Presa ali, não tinha como sair simplesmente a pé.
- Eu pago a conta dela.
Quando olhei para trás, ele estava lá, segurando um enorme buquê de flores (Rosas Vermelhas) em uma mão e na outra, minha carteira.
Não pude me conter. Foi um misto de sensações. Amor, medo, nervoso e uma felicidade que não sabia que havia em mim. Ele apenas sorria. Corri e o abracei fortemente.
- Desculpa amor, por tudo. Eu não vou mais viajar. Vou ficar com você! Vou cuidar mais de você. Te dar mais atenção. Fazer café da manhã pra você.
- Você vai viajar sim! Você não, nós vamos! Eu tirei uns dias e vou com você!
Aquele era o homem que eu realmente amava. Se havia dúvidas, elas foram engolidas pelo amor que sinto...

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

COTIDIANO*

Ela não aguentaria passar por tudo aquilo de novo.
Sempre fora uma ótima mãe e esposa. Nunca teve aquele problema de se dedicar aos filhos e esquecer o marido ou cuidar do marido e esquecer os filhos. Sempre teve o equilíbrio certo.
Vivia uma relação de 35 anos. Os filhos já crescidos e criados. Vivia agora a tranquilidade. Colhendo tudo o que havia plantado. Viajava, conhecia lugares, pessoas. Era uma vida tranquila. O marido era o marido dos sonhos. Sempre um pai presente, sem vícios, trabalhador, amigo sempre presente. Não havia nada que desabonasse a sua vida. Era sim, uma mulher feliz e realizada. Mas naquele fim de tarde, tudo mudaria. Tereza estava sentada em seu terraço lendo um livro que começara a ler há um tempo atrás, mas que nunca havia terminado. O telefone tocou e eram exatamente três horas da tarde. O sol estava tímido. Havia uma brisa calma.
- Alô.
- Mãe!!! Eles me pegaram. Eu e o Rafael!!!
- Filha, eles quem? Onde você está?
- Estamos com sua filha e com seu neto. Não vai acontecer nada se a senhora colaborar. Queremos R$ 100.000,00. Se chamar a polícia, sua filha e seu neto morrem. São três horas da tarde. Na frente do seu apartamento tem um carro preto. A senhora desce, vai com ele até o Banco, saca o dinheiro, entrega no carro e recebe sua filha de volta. Sei que o banco é próximo. A senhora tem uma hora para pegar o dinheiro. Se chamar a polícia, já era. Se vacilar, já era. Dona Tereza, não banca a esperta . A senhora é uma mulher inteligente. Não brinca!
- Mas o Banco não vai liberar esse dinheiro assim.
- Vovó, eu amo a senhora. Mamãe tá chorando.
- Meu lindinho... Alô, alô...
O desespero era visível. Não podia perder a calma. Foi até a janela e havia realmente um carro preto paradao em frente ao prédio. Desceu e foi na direção do carro. Como passou apressada pela portaria, sem cumprimentar os funcionários, chamou a atenção do porteiro que conhecia bem a rotina dos moradores. Jaime saiu da portaria e viu Dona Tereza caminhar rumo ao carro preto. O que pôde fazer foi anotar a placa.
- Você viu? Dona Teresa passou por aqui assustada. Nem cumprimentou a gente! Será que aconteceu alguma coisa?
- Sei não. Aquele carro preto estava parado aqui desde manhã. Vou chamar a polícia, dizer o que aconteceu e passar a placa do carro. E assim fez.
No carro, Dona Tereza olhava aquele rapaz que parecia ter no máximo 22 anos.
- Por que vocês estão fazendo isso?
- Dona, é melhor a senhora ficar quieta e não falar nada. Vou deixar a senhora no Banco e se eu ligar de volta às 16:00 eles apagam o seu neto e sua filha e eles não estão brincando.
- E se o Banco não liberar o dinheiro?
- Não é problema meu. A senhora sabe o que tem que fazer. Vou estacionar e vou junto com a senhora. Agora são 15:25, a senhora tem tempo suficiente para resolver esse problema. Se fizer a coisa certa tudo vai correr bem e hoje à noite, sua família vai estar junta novamente.
Dona Tereza apenas se lembrava da voz da filha e do neto. Entrou na agência. E foi direto ao caixa.
- Boa tarde! Qual o valor máximo que vocês podem me liberar para saque?
- Olá, Dona Tereza. Boa tarde! A senhora precisa de quanto?
- Um valor alto. R$ 100.000,00.
- Acho difícil. Fale com o gerente. Somente ele pode liberar esse saque. A senhora quer levar em espécie?
- Sim. Eu tenho que falar com o Augusto?
- É com ele mesmo! A senhora está bem?
- Estou ótima.
Enquanto isso, olhando pela janela, o homem que estava com Dona Tereza no Banco viu viaturas de polícia cercando o carro. Ele devagar saiu da agência e desapareceu. Enquanto isso, Dona Tereza tentava convencer o gerente a liberar o dinheiro e nem percebeu que o rapaz já havia saído. Quando percebeu, teve uma crise nervosa. Viu a movimentação da polícia e entrou em desespero. Pensava apenas na filha e no neto. O telefone celular tocou:
- A senhora não deveria ter chamado a polícia... Mãe me ajuda...
- Eu estou no Banco, vou tirar o dinheiro, não faça nada... Por favor, eu estou com o dinheiro...
Ouviu dois tiros...

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

OLHOS FECHADOS*

Acabei de chegar do médico.
Fui levar o resultado dos exames pedidos.
A notícia me deixou um pouco abalado. Eu era portador de uma doença terminal. Tinha pouco tempo de vida. Como sempre, os médicos nunca conseguiam prever o tempo exato. Falavam em semanas, meses, podendo chegar a anos. Tudo dependeria da evolução dessa minha doença.
Eu sempre levei uma vida absolutamente normal. Sempre cuidei do meu corpo, da minha saúde, de como vivia a minha vida. Nunca fui de cometer excessos. Mas sempre ouvi que essa doença podia ser desencadeada por mágoas mal curadas e angústias mal resolvidas.
Confesso que saber que você tem poucos dias de vida, não é algo muito bom de se ouvir.
Saí do consultório sem chão. Como iria falar para minha mulher, para minha filha? Amigos eu não tinha mesmo então, não teria quem avisar. Minha mãe, irmãos, minha família. Doeu em meu peito a sensação de ter que abadonar todos. Eu me sentia bem demais. Sentia-me plenamente vivo. Havia vida demais em mim. Não poderia imaginar que meus olhos estariam para sempre fechados.
O sol brilhava muito mais. O vento refrescava minha pele. De certo modo me acalmava. As pessoas que passavam por mim estavam com seus rostos todos iluminados. Todos pareciam anjos. Ficava me perguntando como seria morrer... Como seria deixar tudo e as pessoas que realmente amo? Ano que vem faria 40 anos e sempre me disseram que a vida começa aos 40 e a minha ia terminar. Comecei a pensar em todos. Sentei em um banco de um shopping e comecei a escrever o nome de todas as pessoas que de algum modo eu deveria me desculpar. Queria viver esses meus últimos dias sem qualquer tipo de culpa. Falaria para minha mulher do amor que sinto por ela e pedir perdão pelas traições. Falaria do imenso amor que sinto por ela desde o dia em que a conheci. Abraçaria-a e ficaria por horas ali. Abraçaria minha filha também e falaria da vida. Do lado bom de viver e que ela cuidasse de tudo para mim e cuidasse da mamãe. Pensar na minha filha me fez chorar demais. Senti um nó na garganta e uma dor que me fez chorar. Chorei por horas. Algumas pessoas vieram falar comigo. Ficaram assustadas ao ver meu desespero. Dizia apenas que eu ia morrer. Tentavam me consolar em vão.
Fiquei lá até que não houvesse mais ninguém. Saí de lá arrastando meu corpo. A noite parecia acesa. Havia poucas pessoas na rua. O caminho até minha casa parecia interminável. No céu, as estrelas brilhavam como nunca. Tudo parecia de verdade mais intenso.
Cheguei em casa e minha mulher me esperava no portão. Parecia pressentir alguma coisa. Entramos e em nosso quarto contei tudo. Ficamos abraçados e senti a dor de suas lágrimas. Ela insistia em dizer que os médicos estavam errados. Disse que eu deveria fazer outros exames e que não deveria comentar com nossa filha antes de uma segunda opinião. Concordei e mesmo assim, disse que somente concordaria em fazer outros exames se ela junto comigo escrevesse cartas para as pessoas que estavam em minha relação.
No dia seguinte começaríamos a escrever as 10 cartas para as 10 pessoas que eu precisava pedir perdão. Se fosse confirmado nos outros exames a veracidade dos primeiros, entregaria pessoalmente a carta. Se não fosse confirmado o diagnóstico, as entregaria mesmo assim.
Fui tomar um banho. A água quente fez meu corpo relaxar e por um instante esquecer todo o peso daquele dia. Tudo vinha como um filme. Eu sabia bem o mal que me corria por dentro e quais eram as mágoas que tinham me causado aquele mal. Ali mesmo, no banheiro embaixo do chuveiro falei com Deus...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

IRREAL*

2 anos que decidi mudar de vida.
Estava cansado daquela vida de ter que levantar cedo todos os dias, pegar condução lotada, andar o dia todo de terno. Eu trabalhava em uma consultoria que ficava na região da avenida Paulista. Era um empresa nova e eu tinha total condições de fazer carreira. Mas eu vinha de uma rotina pesada. Estava cansado. Queria fazer algo que realmente me desse prazer. Algo que não fosse uma obrigação. Todos diziam eu tinha um dom e que deveria explorá-lo e foi o que decidi fazer. Depois de ter conversado com minha mulher, no dia seguinte pedi demissão.
Era muito bom estar em casa. Tinha acabado aquele tormento. Aquela cobrança louca de metas, relatórios, reuniões. Agora era eu por mim.
Tudo em paz. Podia acompanhar minha filha na escola, podia me dedicar inteiramente ao que mais amava. Não tinha mais chefe. Não tinha mais horário, mesmo assim seguia regras. Gostava de escrever todos os dias. Tanto que foram 7200 poesias em dois anos e 32 livros.
O tempo foi passando e eu fui perdendo o contato com a realidade. Mal saía de casa. Alguns dias não sabia se tinha sol ou não. Todos os meus contatos eram via msn. O telefone celular nunca mais tocou. Comecei a perceber que o contato com outras pessoas reais me fazia mal. Comecei a ficar intransigente, mal humorado, extremamente irritado e nervoso. Todas as pessoas foram se afastando. Vendia meus livros pela internet, despachava pelo correio e não havia mais contato com pessoas. Devagar fui perdendo o contato com a realidade. Lia as notícias via internet e deixava a televisão ligada o dia todo no noticiário e todas as notícias me corroíam. Eu nao fazia mais parte daquele contexto. Estava em outro mundo. Fazia parte agora de uma outra realidade. Minha visão estava diferente. A realidade que via fora do meu apartamento era outra. Achava as pessoas más, cruéis, prontas para qualquer coisa na intenção de passar por cima do outro. As pessoas, na minha visão, tinham perdido o senso do amor, da educação e da boa convivência. Todos andavam se empurrando, querendo se matar. Cada vez mais me afastava de tudo.
Minha mente trabalhava em média 17 horas por dia. Sempre pensando em novas idéias de livros. Em novas poesias. Novas histórias. Conversava com muitas pessoas, mas nada que uma tecla chamada Delete não resolvesse. Ainda tinha esse poder de sair rapidamente da vida das pessoas. Eram apenas rostos.
Foi aí que percebi que existiam dois de mim em mim. Eu era um, o homem que começou a sentir a falta do contato humano. Comecei a sentir a solidão de uma maneira pesada. As janelas fechadas começaram a me fazer mal. O ar rarefeito me fazia mal. Eu precisava sair dali. Daquele espaço pequeno e apertado. Por outro lado, existia o poeta, o escritor que amava aquela convivência limitada. Tudo servia de inspiração. Só pensava em agradar, em contagiar as pessoas com doses excessivas de amor e atenção. Tudo aquilo começou a tomar uma proporção sem limites. Eu só queria sair de lá. Queria deixar um pouco meu lado poeta sem deixar de ser poeta. A poesia está na minha pele, no meu sangue, no meu ar. Cansei da visão que as pessoas faziam a meu respeito, a respeito do poeta que perdeu o contato com a realidade.
Precisava sair de tudo. Deixar um pouco de lado toda essa loucura que tomou conta de mim...
Vou sair... Vou respirar... Ver um pouco de gente... Sentir o vento...
Quem sabe eu volte pra dizer como me sinto ou quem sabe nem volte mais...

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

INCOMPATIBILIDADE*

Lúcia é uma dessas mulheres que não sabem escutar um não.
Não consegue entender que o mundo é feito de milhares de pessoas. Ela precisa de uma atenção plenamente exclusiva. É justamente o que eu não posso dar. Com tudo isso, conseguimos chegar longe demais nessa amizade.
Sou um cara meio reservado. Não gosto de falar da minha vida, das minhas intimidades. Já Lúcia, adora dar satisfação de tudo aquilo que faz. Adora passar a tarde inteira falando de tudo e eu, como bom ouvinte fico a escutar. Paro o que estou fazendo para dar atenção.
De uns tempos para cá, comecei a me sentir sufocado por essa amizade. Me sentia invadido. Não havia mais limites. A coisa começou literalmente a descambar.
As palavras começaram a ficar agressivas. Havia ofensas, trocas e acusações. Era a incompatibilidade de tudo. De pensamentos, de gestos, de ações. Chegou um pouco que nada estava bom. Nada mais agradava.
A sensação de posse me sufoca. Não gosto de dedos em riste. Não gosto de coleiras guias. Não sou escravo dos meus sentimentos.
Lúcia queria ser única. Odiava dividir qualquer coisa que seja principalmente atenção. Ela fazia meus piores pontos serem despertados. Ela fazia minha parte pior, vir à tona. Ela fazia isso muito bem e sempre tinha em sua boca um bordão:
- Eu te conheço há muito tempo!
- Eu sei o que você pensa!
Ninguém conhece ninguém. Ninguém é capaz de saber o que o outro está pensamento. Isso é a liberdade que gosto de ter.
Você me pergunta se haviam pontos bons nessa mulher? Claro que sim. Lúcia é uma mulher extremamente caridosa, preocupada, disposta a fazer de tudo para que tudo desse certo para mim e para outras pessoas. Eu não conhecia muito bem. Conhecer no modo geral. Eu achava mas jamais cheguei a dizer. Quando tentava, não conseguia. Lúcia negava.
O mais engraçado de tudo isso é que eu e ela vivíamos o mesmo lado negro. A solidão. Para mim, estar sozinho faz parte do que decidi fazer, um modo de vida, meu ganha pão. Os amigos deixaram todos de ser reais para serem virtuais. Todos os meus contatos eram via computador. Jamais fui lembrado para um almoço, para um jantar, para uma viagem, um passeio. Lúcia ao contrário, tinha amigos reais, saia, viajava e era terrivelmente consumida pela solidão. Uma solidão diferente. Uma solidão cruel que a engolia e a massacrava. Uma solidão que a fez se apegar a um mundo que não era seu para sentir que valia a pena. Tudo isso, são apenas deduções de tudo o que senti nesses anos com essa minha amiga real e virtual. Lúcia parecia viver de mentiras. Seria com certeza uma ótima escritora.
Na verdade, eu não sei nem porque resolvi escrever isso nessa minha manhã. Talvez porque sinta de verdade que perdi uma pessoa querida. Mas não posso permitir mais palavras que deixem meu mundo em desarmonia. Na minha solidão, preciso de paz, preciso estar bem.
Lúcia continuará vivendo sua vida de encantos, de tardes no shopping, de manicure, massagem, ginástica. Ficará bem eu sei. Triste pode até ser verdade, mas o tempo se encarregará de cicatrizar qualquer magoa que tenha ficado. Quanto a mim, ficará sim o vazio que jamais será preenchido, mas também entrego ao tempo tudo isso. Ele é mestre e sabe conduzir tudo. Sabe acalmar as tempestades e fazer o sol voltar a brilhar.
Quem sabe um dia, eu e Lúcia poderemos nos encontrar melhores do que somos e rir de tudo isso ou quem sabe ainda não nos encontrarmos e mesmo assim temos a certeza que cada um nos seu jeito tentou ser e dar o melhor de si. Às vezes, não conseguimos...