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domingo, 26 de julho de 2009

DISRITMIA*

Numa havia pensando em sumir, mesmo tudo estando cada vez mais difícil. A mulher cobrando a minha instabilidade e gastando mais do que posso pagar. Filhos rebeldes que não gostam de estudar, que não gostam de trabalhar. Há um tempo, eu me preocupava. Ia atrás, corria, fazia de tudo. Pagava faculdade dos dois filhos, dei carro, mesada. Eles nem aí. Tudo o que eu tinha, eu herdei da minha família. Meu pai trabalhou muito para manter esse império. Agora vejo tudo isso desaparecendo.
Impostos e dívidas. Tentei manter a todo custo as aparências. Dizer para todo mundo que estava tudo bem. Continuamos fazendo festas em casa. Íris não podia pensar em parar. Ela era frágil demais para aceitar que estávamos perto da ruína. Meus filhos Pablo e Rubens. Eles queriam apenas ostentar o luxo e gastar dinheiro com as mulheres. Eles gêmeos. Não se desgrudavam. Um fazia uma tatuagem, o outro ia lá e fazia uma também. Quando eles nasceram, eram meu orgulho. Sei que fui um bom pai e um péssimo pai também. Dei de tudo sem colocar limites e acabei com tudo.
Nunca havia pensando em sumir. Confesso que tenho pensado muito nesses últimos dias. Tenho feito contas, tenho pesquisado lugares, meios de simplesmente sumir. Tanta gente desaparece no mundo sem deixar nenhuma pista. Cada dia a idéia estava mais viva em mim. Eu e Íris não tínhamos uma relação há mais de dois anos e mesmo assim, nunca fui infiel. Não quero garotinhas no meu pé, tirando o pouco que me resta. Queria apenas instante de paz e que no fundo me esquecessem.
Quando chegar em casa se torna um martírio, é hora de repensar. Íris nunca estava e quando estava, ou malhava feito louca ou estava na piscina ou então fazendo sessões de Reiki. Fazia a empregada colocar a mesa e eu jantava sempre sozinho. Meus filhos, eu somente os via quando queriam mais dinheiro.
Naquela noite foi diferente. Depois de jantar, fui para a sala arquitetar meus planos para desaparecer. Queria deixar todos em situação confortável. Venderia a casa e compraria um apartamento menor em um bairro mais simples. Venderia os carros, a empresa e os deixaria bem. Depois eles que arcassem com seus sonhos de consumo. O valor de tudo somado, mais o dinheiro que eu tinha em investimentos, dariam para pagar os funcionários, deixar um carro para eles e uma boa pensão para se manterem por um tempo. Ia falar com meu advogado. Deixaria procuração para que ele resolvesse tudo por mim. Não queria mais ter dor de cabeça com nada. Queria morrer e renascer em outro lugar e eu sabia que eu podia fazer isso.
Fui deitar por volta de uma da manhã. Íris estava como sempre. Máscara de cremes no rosto. Eu olhava e pensava:
- Não foi com essa mulher que me casei.
Íris não aceitava envelhecer. Colocou silicone porque achou que seus seios estavam flácidos. Fez lipoaspiração, aplicações e aplicações de Botox. Ficava cada vez pior e não seria eu que diria isso, jamais.
O telefone tocou. Olhei no relógio, eram duas e meia da manhã. Senti um calafrio que jamais havia sentido. Sabia que meus filhos não estavam em casa. Eu sabia quando chegavam, pois não dormia profundamente enquanto eles não estivessem dormindo.
- Sr. Marconi?
- Sim, quem fala?
- Aqui é o delegado de polícia. Por favor, fique calmo!
- Diz o que aconteceu com meus filhos.
Nesse momento Íris já tinha pulado da cama e estava de pé gritando feito louca.
- Por favor, o que houve?
- O senhor pode vir até a Rua dos Arautos? Fica no bairro da Cruz Alta.
- Eu sei onde é. Estou a caminho. Diga por favor, que está tudo bem!
- Sinto muito!
Ele desligou o telefone.
Nenhum buraco poderia ser mais fundo do que esse que acabou de abrir sob meus pés. Peguei a chave do carro e fui com Íris para o local informado.
Logo puder perceber os giroflex da polícia. Muitas pessoas estavam naquele horário na rua. Desci do carro e tentei ultrapassar aquele muro de gente. Havia cordão de isolamento e atrás dele um corpo coberto. Eu não pensava mais em nada. Olhei ao redor e vi o carro dos meninos de pernas para o ar. Não dava para identificar que carro era aquele. Eu não sentia mais nada. Não havia chão. Não havia mais nada.
Um policial veio ao meu encontro. Disse-me que o outro rapaz havia sido levado para o hospital. Devagar fui me arrastando para ver o corpo que estava coberto. Era o corpo de Rubens. Morto, deformado, deitado ali no chão frio.
Sentei no chão. Íris berrava e depois de tantos anos, eu entendia sua dor.
Depois de horas, acordei no hospital.
Eu estava sedado. Queria apenas notícias do meu outro filho e da minha mulher. O médico pediu-me calma e deu a notícia do falecimento do meu outro filho. Tudo ali havia acabado. Tive a certeza enfim do quão egoísta eu fui. Não pensava em nada. Não sentia nada. Queria apenas ver minha mulher. Minha pobre e delicada Íris. Eu não tinha mais aquela vontade de desaparecer. Eu havia desaparecido naquele instante.
- Por favor, onde está minha mulher?
...

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