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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

COTIDIANO*

Ela não aguentaria passar por tudo aquilo de novo.
Sempre fora uma ótima mãe e esposa. Nunca teve aquele problema de se dedicar aos filhos e esquecer o marido ou cuidar do marido e esquecer os filhos. Sempre teve o equilíbrio certo.
Vivia uma relação de 35 anos. Os filhos já crescidos e criados. Vivia agora a tranquilidade. Colhendo tudo o que havia plantado. Viajava, conhecia lugares, pessoas. Era uma vida tranquila. O marido era o marido dos sonhos. Sempre um pai presente, sem vícios, trabalhador, amigo sempre presente. Não havia nada que desabonasse a sua vida. Era sim, uma mulher feliz e realizada. Mas naquele fim de tarde, tudo mudaria. Tereza estava sentada em seu terraço lendo um livro que começara a ler há um tempo atrás, mas que nunca havia terminado. O telefone tocou e eram exatamente três horas da tarde. O sol estava tímido. Havia uma brisa calma.
- Alô.
- Mãe!!! Eles me pegaram. Eu e o Rafael!!!
- Filha, eles quem? Onde você está?
- Estamos com sua filha e com seu neto. Não vai acontecer nada se a senhora colaborar. Queremos R$ 100.000,00. Se chamar a polícia, sua filha e seu neto morrem. São três horas da tarde. Na frente do seu apartamento tem um carro preto. A senhora desce, vai com ele até o Banco, saca o dinheiro, entrega no carro e recebe sua filha de volta. Sei que o banco é próximo. A senhora tem uma hora para pegar o dinheiro. Se chamar a polícia, já era. Se vacilar, já era. Dona Tereza, não banca a esperta . A senhora é uma mulher inteligente. Não brinca!
- Mas o Banco não vai liberar esse dinheiro assim.
- Vovó, eu amo a senhora. Mamãe tá chorando.
- Meu lindinho... Alô, alô...
O desespero era visível. Não podia perder a calma. Foi até a janela e havia realmente um carro preto paradao em frente ao prédio. Desceu e foi na direção do carro. Como passou apressada pela portaria, sem cumprimentar os funcionários, chamou a atenção do porteiro que conhecia bem a rotina dos moradores. Jaime saiu da portaria e viu Dona Tereza caminhar rumo ao carro preto. O que pôde fazer foi anotar a placa.
- Você viu? Dona Teresa passou por aqui assustada. Nem cumprimentou a gente! Será que aconteceu alguma coisa?
- Sei não. Aquele carro preto estava parado aqui desde manhã. Vou chamar a polícia, dizer o que aconteceu e passar a placa do carro. E assim fez.
No carro, Dona Tereza olhava aquele rapaz que parecia ter no máximo 22 anos.
- Por que vocês estão fazendo isso?
- Dona, é melhor a senhora ficar quieta e não falar nada. Vou deixar a senhora no Banco e se eu ligar de volta às 16:00 eles apagam o seu neto e sua filha e eles não estão brincando.
- E se o Banco não liberar o dinheiro?
- Não é problema meu. A senhora sabe o que tem que fazer. Vou estacionar e vou junto com a senhora. Agora são 15:25, a senhora tem tempo suficiente para resolver esse problema. Se fizer a coisa certa tudo vai correr bem e hoje à noite, sua família vai estar junta novamente.
Dona Tereza apenas se lembrava da voz da filha e do neto. Entrou na agência. E foi direto ao caixa.
- Boa tarde! Qual o valor máximo que vocês podem me liberar para saque?
- Olá, Dona Tereza. Boa tarde! A senhora precisa de quanto?
- Um valor alto. R$ 100.000,00.
- Acho difícil. Fale com o gerente. Somente ele pode liberar esse saque. A senhora quer levar em espécie?
- Sim. Eu tenho que falar com o Augusto?
- É com ele mesmo! A senhora está bem?
- Estou ótima.
Enquanto isso, olhando pela janela, o homem que estava com Dona Tereza no Banco viu viaturas de polícia cercando o carro. Ele devagar saiu da agência e desapareceu. Enquanto isso, Dona Tereza tentava convencer o gerente a liberar o dinheiro e nem percebeu que o rapaz já havia saído. Quando percebeu, teve uma crise nervosa. Viu a movimentação da polícia e entrou em desespero. Pensava apenas na filha e no neto. O telefone celular tocou:
- A senhora não deveria ter chamado a polícia... Mãe me ajuda...
- Eu estou no Banco, vou tirar o dinheiro, não faça nada... Por favor, eu estou com o dinheiro...
Ouviu dois tiros...

Um comentário:

  1. Um texto bastante realista.
    Retrata um momento comum infelizmente nos dias atuais.
    Por ser tão realista, torna-se forte e até chocante...
    Muito bem escrito! Continue assim , cada vez melhor nos seus textos em prosa.

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