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quarta-feira, 15 de junho de 2011

DE VOLTA PARA CASA

De volta para casa

Imagine só, segunda-feira, saída do expediente às 18h00min.

O céu está carregado. Vem chuva por aí. A fila do ônibus está imensa. Só de pensar que vou demorar mais ou menos duas horas para chegar em casa, desanimo. Nada de interessante. As mesmas pessoas de sempre. O mesmo desconforto e eu me perguntando por quê? Será que vou morrer sem ver o brilho do sol nos meus dias?

Me conformo. Ligo o mp3. Presente do dia dos pais. A bateria está descarregada. Vejo uma menina comendo pão de queijo e sinto meu estomago revirar, abro a carteira, encontro apenas minha identidade castigada como eu pelo tempo, uma imagem de nossa senhora e uma moeda de dez centavos.

Finalmente um ônibus encosta. Um desses ônibus enorme, bi articulados. Coisa de cidade grande. Encho meu peito de esperança. Tinha certeza que desta vez eu ia poder ir sentado. Poderia cochilar e esquecer todo esse perrengue. A fila começa a andar. Estou quase no final da fila. Vejo as pessoas se acomodando. Parece que não tem fim. Um a um como nos tempos de escola.

Começo a ficar aflito. Os lugares vão sendo ocupados. Quero desesperadamente contar quantos lugares ainda sobram. Não consigo. Alguns idosos aparecem e tem preferência de embarque. Deixo de lado minha cidadania e começo a xingar aqueles velhos filhos da puta em pensamento. O que fazem esse horário na rua?

Consigo entrar no ônibus e olho na busca desesperada de um lugar. Duas pessoas na minha frente para passar a catraca. Olho e percebo que há dois lugares. Os olhos correm desesperados. Os meus e os dos outros. Passam e ocupam os lugares. Eu vou de pé até o fim do mundo.

Olho desolado, imaginando qual dos passageiros podem descer num ponto mais próximo. Olho um rapaz com estilo de boyzinho. Parece que não iria para o fim do mundo. Estava sentado no corredor perto da porta de saída. Era um sinal. Fiquei perto dele em pé. Rezando para que ele descesse no ponto mais próximo. E assim, o ônibus iniciou sua peregrinação. Uns já estavam desmaiados. Outros mexiam no celular. Alguns liam e outros como eu, iam pensando se a morte não seria a melhor saída. Eram mais 18h30min quando o ônibus saiu. Eu de pé amaldiçoando aquele rapaz que eu nem conhecia. Ficava xingando em pensamento. Todos os palavrões que alguém pode imaginar e os que não podem também. Rezava o credo, a ave-maria, o pai nosso para aquele infeliz levantar e eu poder sentar e descansar um pouco.

Ele começou a se arrumar. Olhava para fora como se procurasse um lugar ou alguém e como num milagre, ele levantou e antes que desse o primeiro passo eu já estava sentado em seu lugar. Respirei aliviado e pedi perdão para Deus por tê-lo xingado. Me ajeitei no banco. Do meu lado um homem já estava no quinto sono. O tempo fechado. O transito parado e eu nem ai. Já estava sentado. Não me preocupava mais com nada. Derrepente começou a cair o mundo. Uma chuva que vinha de todos os lados. Eu abria somente um olho para ver a situação e foi ai que o caos se instalou. Foi ai que senti que Deus estava se vingando de mim. Foi então que eu percebi que tinha nascido verdadeiramente pra me fuder e que milagre na vida de pobre é mau sinal. Eu estava sentado embaixo da tampa de ventilação e inevitavelmente pingos começaram a cair em minha calça, depois na minha blusa e depois no meu rosto, na minha cabeça. Nessas alturas eu olhava para cada gota que caia como se eu pudesse desviá-la. Olhava para aquele buraco no teto do ônibus e com a força do pensamento, tentava parar aquela enxurrada em meu rosto. Nada fazia aquilo parar. Eram gotas grossas, densas. Eu sabia que chovia mais em mim do que em qualquer outra pessoa no mundo e eu me perguntava apenas, por quê?

Eu xinguei Deus, Jesus, todos os discípulos, a Virgem Maria, os anjos, arcanjos, querubins. Não havia nada que pudesse me acalmar. Eu queria apenas descansar. Sabia que ia demorar para chegar em casa. Que mal ia ter tempo de beijar minha mulher, meus filhos. Mal ia ter tempo de jantar, tomar um banho, dormir que eu já teria que acordar e começar tudo de novo.

Cada pingo me fazia pensar em tudo. Olhava as pessoas em seus carrões. Olhava as pessoas paradas nos pontos de ônibus. Pensava se podia no mundo ter alguém pior do que eu. Procurei dentro de mim, algo que pudesse me trazer paz, mas cada pingo daquele em meu rosto, ia me fazendo cada vez mais odiar o mundo. Não sei quanto tempo fiquei ali me remoendo. Eu sabia que não levantaria dali por nada. Fiquei me consumindo.

O homem que estava desmaiado ao meu lado acorda num sobressalto e olha assustado para fora e diz: - passei meu ponto e alucinado deu sinal para o motorista. Ia descer no próximo ponto. Eu feliz da vida sentei em seu lugar. Ainda estava quente e eu nem reclamei. Amei. Me aconcheguei e agradeci a todos os santos. A Deus, a Nossa Senhora, anjos, arcanjos e querubins. Fechei os olhos e me vi abraçado a minha esposa e aos meus filhos.

Alguns quilômetros na frente e o ônibus começou a engasgar. Eu nem me mexi. Não arrisquei abrir os olhos. Não podia acreditar. O ônibus parou e o motorista gritou. – Pessoal este não anda mais. Vamos esperar o próximo. Eu fiquei ali fingindo que dormia. Não queria acreditar. Escutava as pessoas falando alto, xingando e eu ali fingindo que estava morto. Logo começaram me cutucar. Um desespero para me tirar dali e eu queria ficar ali mais cinco minutos. Desci desconsolado. Olhei para o céu e disse: Valeu senhor, muito obrigado.

A chuva havia diminuído e depois de passarem por nós cinco ônibus lotados, consegui embarcar. Fui em pé. Massacrado, pisado, esmagado. Cheguei em casa depois de três horas e meia.