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domingo, 23 de maio de 2010

SENSORES


Eu cheguei em casa muito puta da vida. Todas as vezes que eu voltava do trabalho tinha que obrigatoriamente passar em frente daquele condomínio. Não tinha outro caminho. Todos os dias era a mesma coisa. O rapaz que trabalha na portaria do prédio insistia em mexer comigo. Parecia até que ele me esperava. Eu já não sabia o que fazer. Eu era uma mulher casada, mãe de dois filhos e não podia ficar agüentando desaforo. Mas, eu sabia que se contasse o que estava acontecendo comigo para meu marido ele certamente iria querer tirar satisfação com o porteiro. Aquela situação começava a me apavorar. Tinha medo de sair sozinha. Achava que estava sendo seguida e que a qualquer hora iam parar o carro e me jogar para dentro e sabe-se lá Deus o que aconteceria. Agüentei isso a meses desde que resolvi para em frente a portaria e falar com o cidadão e se não desse jeito, falaria com meu marido. Aquilo precisava acabar. Toquei o interfone:
- Posso ajudar?
- Pode. O senhor é que fica todos os dias nesse horário?
- Sou eu mesmo. Eu vejo mesmo a senhora passar por aqui todos os dias o mesmo horário. A senhora chega tarde do trabalho.
- Escuta aqui seu cachorro sem vergonha, é bom você para de mexer comigo. Sou uma mulher casada e não aceito esse tipo de coisa. Se o senhor não parar meu marido virá tomar satisfação com o senhor e sabe-se lá o que vai acontecer. Não diga que o senhor não foi avisado.
Nesse meio tempo, uma senhora encostou do meu lado e disse:
- Eu sou a síndica do prédio, posso ajudar?
- Ah que bom que a senhora veio. Esse seu funcionário todos os dias mexe comigo. Eu sou uma mulher casada e não admito esse tipo de coisa. Faz tempo que venho agüentando só que chega uma hora que não dá mais. Chego cansada todo dia pra ficar agüentando palhaçada.
- A senhora está falando do seu Francisco.
- Eu não sei se é do senhor Francisco, Benedito ou do senhor Antonio. Só sei que a senhora tem tomar uma atitude ou meu marido vai vir aqui e ai senhora sabe-se lá o que vai acontecer.
- Seu Francisco venha cá um pouco.
Me sai da guarita um senhor de mais ou menos 70 anos. Cabelos brancos, óculos de grau acentuado e com certa dificuldade para caminhar. Fui logo soltando o verbo.
- Seu velho safado. O senhor tem que ter mais respeito pelas pessoas. Onde já se viu um senhor da sua idade mexendo com uma mulher casada, mãe de dois filhos. Chego cansada e tenho que ficar agüentando desaforo. A senhora dona Síndica tome uma providência, se eu falar para meu marido e ele vier aqui, sabe-se lá o que vai acontecer.
Segurei firme minha bolsa e sai de lá nos saltos. Tinha certeza que a partir daquele momento, eu não teria mais nenhum problema. No dia seguinte, na volta do emprego lá vem eu, bela e formosa tendo a certeza que nunca ninguém daquele prédio mexeria comigo. Ledo engano.
De novo vieram as provocações. De novo aquele velho safado mexeu comigo.
Cheguei em casa louca da vida e chorando. Logo meu marido perguntou o que tinha acontecido ai finalmente contei-lhe toda história. Ele ficou muito nervoso. Foi para o quarto colocar uma roupa e disse:
- Vamos resolver isso agora!
Fiquei toda orgulhosa. Esperei meu marido se trocar e fui com ele. Eu só não sabia que ele tinha pegado seu revólver.
Ele suava frio. Chegamos à frente do prédio e a provocações começaram dessa vez de forma tímida. Na frente do prédio, meu marido chamou o tal do senhor Francisco que saiu da guarita meio tímido e com medo.
- Velho safado! Então é o senhor que mexe com minha mulher todo dia? Pois saia pra cá se você for homem. Claro que a gritaria atraiu uma porção de curiosos. Eu só via as cabeças aparecerem na sacada dos apartamentos.
- Senho eu nunca mexi com sua esposa. Vejo ela passar por aqui todos os dias, mas nunca mexi com ela.
- Velho sem vergonha. Assuma! Diga a verdade, seja homem.
- Sou avô, sou viúvo. Jamais mexeria com a senhora sua esposa.
- Pois eu vou mostrar pra você como um homem age quando mexem com a sua mulher!
E derrepente meu marido estava com a arma em punho apontando para aquele senhor desprotegido. Quando percebi que não ia dar certo eu tentei remediar:
- Marido me ouça o susto já valeu. Ele não vai mais mexer comigo. Vamos para casa.
- Não Madalena, esse senhora vai ter que pedir desculpas pra você. Isso não pode ficar assim! Onde é que nós estamos? Venha cá e peça desculpas,
Nisso a síndica já estava aos gritos, os moradores também, carros tentando entrar no prédio, gente querendo sair. O fuzuê estava armado. Foi quando chegou duas viaturas de polícia. Algum morador devia ter chamado. Eles já saíram com as armas em punho pedindo para meu marido largar a arma. Logo foram chegando mais carros de polícia, helicóptero e até reportagem da televisão. Esses canais sensacionalistas.
- Senhor largue a arma e vamos conversar.
Meu marido olhou todos aqueles carros de polícia e percebeu que o negócio tinha ficado sério. Nessa altura eu já me tinha me arrependido e chorava abraçada ao meu marido. Implorava para ele largar a arma.
Ele se abaixou e colocou a arma no chão. Os policiais se aproximaram e o prenderam. Todos nós fomos para a delegacia.
Eu, meu marido algemado, a sindica, o senhor Francisco e algumas testemunhas.
Na frente do delegado eu contei toda a história e ele me disse:
- Senhora Madalena, me explique como é que o senhor Francisco aqui assediava a senhora.
- Todos os dias quando chego do trabalho passo em frente ao prédio onde esse senhor trabalha e conforme eu vou passando ele vai acendendo as luzes. Como se eu estivesse numa passarela. Vou andando e ele acendendo uma luz por vez.
Nesse momento houve um grande silêncio. Todos se olharam e vi meu marido num canto ficando vermelho e devagar se escondendo, se abaixando. A síndica chamou o delegado e o advogado do condomínio e pediu licença. Eu não sabia o que estava acontecendo. Não era possível que mais uma vez a justiça iria falhar. A vítima sou eu.
Depois de cinco minutos, volta o delegado rindo, o advogado rindo ainda mais e a síndica que me olhou com dó.
- Sra. Madalena, posso afirma que tudo isso é um engano. Senhor Francisco aqui nunca mexeu com a senhora.
- Ele mexe sim. Todos os dias eu vou passando e ele acendendo as luzes. Doutor sou uma mulher de família. Sou casada, trabalho, tenho dois filhos. Não posso aceitar isso.
- Senhora Madalena a senhora nunca ouviu em falar em sensor de presença?
- Não senho!
- É um sistema de segurança que funciona com sensores. No caso do prédio onde esse senhor trabalha o que existe são sensores de movimento. Quando esse sensor identifica um movimento na calçada, ele acende uma luz indicando que aquele lugar está protegido. Isso só acontece a noite. Não era o senhor Francisco que acendia as luzes. O sensor ao perceber sua presença, fazia com que as luzes acendessem. Uma proteção. Segurança.
Eu não sabia onde enfiava minha cara. Sai de lá sem cor e ainda por cima meu marido com um processo por porte ilegal de arma. Eu não passava mais na frente do prédio, nem no outro lado da calçada. Meu marido até hoje não fala comigo.
Depois de um tempo, tivemos que por vergonha vender nossa casa e se mudar de lá.
Sensores de movimento. Por que não me avisaram antes.