...
Nossa noite não foi das melhores. Não sei onde estava com a cabeça. Só pensei em mim. Em momento algum me preocupei com você. Em momento algum, escutei você.
Eu precisava demais do seu amor. Naquele momento, não me dei conta das suas necessidades. Você sempre faz tudo por mim. Trata-me como uma deusa. Trata-me como toda mulher deseja ser tratada. Faço tudo o que gosto. Tenho tudo o que quero. Academia, dança, vou ao Shopping, salão de beleza quase todos os dias, massagem. Tenho meu carro, meu cartão de crédito. Saio com minhas amigas. Sempre viajo. Apesar da nossa diferença de idade, nunca senti que essa diferença influenciasse na sua maneira de me tratar. Eu queria estar sempre linda para agradar seus olhos.
Ontem, eu precisava do seu corpo. Ontem precisava me sentir mulher. Queria ser penetrada. Desejava ser querida ainda mais. Precisava sentir seu corpo. Passei horas me preparando. Havíamos conversado e queríamos uma noite especial.
Passei o dia no salão. Unhas, cabelos, pele, massagem. Tudo pensando naquele momento. Na nossa noite. Tomei um belo banho. Usei o melhor de todos os cremes. Vesti a melhor e menor lingerie. Usei o perfume que mais gosta. Tudo pra você.
Não sei o que me deu.
Fiquei na cama por horas esperando você chegar. Estava agoniada. Resolvi ligar para o celular. Nunca havia precisado fazer isso. Estava aflita. Afinal de contas você se despediu de mim antes de sair da empresa. Passava das dezoito horas quando nos despedimos. O celular chamou.
Do outro lado uma voz de mulher atendeu. Desliguei na mesma hora. Fiquei inconformada. Revoltada. Chorei muito. As horas passando e nenhum sinal. Nenhum telefonema. Pensava em nós. Pensava onde havia errado. Queria saber por que você fazia aquilo comigo? Por que justo na noite que deveria ser especial? Quem era aquela mulher? Nunca havia percebido nada. Acabei adormecendo sem escutar o som que mais adorava. O barulho do motor do seu carro desligando e a porta da nossa casa se abrindo.
Quando acordei você estava no banho. Olhei para o relógio. Eram três e meia da manhã. Você saiu do banho com um copo de uísque na mão.
- O que aconteceu? – perguntei.
- Bateram no meu carro. Um sujeito bêbado avançou o sinal vermelho e atingiu meu carro.
- Álvaro, você saiu da empresa as seis horas. Horário que falamos. São três e meia da manhã. Quem era a mulher que atendeu seu telefone? Por que você não me ligou?
Desandei a falar.
Estava mais preocupada com o que eu sentia. Com minha espera, com a mulher atendendo ao telefone. Não perguntei mais nada. Se estava tudo bem com ele. Fui a mesma menina mimada de sempre. Vivendo em seu mundo sem olhar ao redor.
Falei, falei e falei. Ele se calou. Não falou mais nada. Não disse uma só palavra. Ouviu minha acusações, minhas lamentações. Eu estava “puta” da vida. Maquiagem borrada de tanto chorar.
Ele saiu. Foi para a cozinha e eu fui atrás. Estava endemoniada. Jamais havia falado e agido daquela maneira. Álvaro manteve a serenidade o tempo todo. Seu silêncio me deixava ainda mais nervosa, ainda mais frustrada. Por um momento deixei de ser aquela mulher doce, companheira. Álvaro me olhava assustado enquanto preparava um lanche. Percebi que ele estava abatido. Fez um sanduíche e foi para a sala. Encheu o copo de uísque, sentou na mesa e eu ali, falando, falando e falando. Por mais que ele tentasse falar, não conseguiria.
Cansei. Fui para o quarto. Fiquei deitada esperando a raiva passar. Estava cega. Pensava apenas naquela mulher que atendeu o telefone celular do meu marido.
Depois de repensar, o arrependimento veio como uma bomba. Pulei da cama e fui correndo para a sala. Álvaro não estava lá. O sanduíche estava intacto. O copo de whisky vazio.
Morri ali de pé ao ver um bilhete e uma caixinha em cima da mesa:
“Ana,
está é mais uma aliança para que
nosso amor se renove a cada novo dia.”
Obs. A mulher que atendeu o telefone era a dona da loja. Acabei saindo de lá e esqueci o celular. Quando voltei para buscar sofri esse acidente.
Abri e vi uma linda aliança de ouro e brilhantes. Comecei a chorar. Junto ao bilhete um papel dobrado. Era um boletim de ocorrência. Com local, hora e tudo o que havia acontecido. Tudo narrado com a mais absoluta precisão. Álvaro foi uma das vítimas de um homem alcolizado. A outra vítima foi atropelada e faleceu no local. O carro de Álvaro tentando evitar o acidente, ao ser atingido, acabou atropelando e matando uma pessoa.
Eu estava aterrorizada.
Imaginava como Álvaro deveria estar se sentido e eu, pensando apenas em mim. Egoísta como sempre. Sai atrás do meu marido. O carro de Álvaro estava lá. Todo amassado, Parabrisa quebrado. Meu carro também estava lá. Fiquei sem saber o que fazer. Voltei para dentro de casa. Não podia ligar pois o celular não estava com ele.
Para onde foi meu marido? Ele vestia apenas a calça do pijama, camiseta e chinelo. Não podia ter ido longe. Ele havia levado apenas a chave de casa. Sua carteira, documentos, cartões. Tudo havia ficado. Onde ele poderia ter ido?
Meu coração estava apertado.
Sentia-me mal, sozinha. Sem chão.
Fiquei sentada no sofá. Podia apenas esperar e esperei. Sem pregar os olhos. Li e reli seu bilhete. Olhava o anel e aquele boletim de ocorrência. Pensava em Álvaro, pensava na pessoa que havia falecido. Eram mais de sete horas da manhã.
Desde que nos conhecemos nunca tive essa sensação de abandono. Depois que nos casamos, nunca passei uma noite sozinha. Sempre dormimos juntos e abraçados. Agora me via sozinha. Estava com frio, com medo.
Fazia mais de quatro horas que Álvaro havia saído. Não ligou, não deu nenhum sinal. Eu continuava ali no sofá. Toda encolhida.
Dei um pulo quando ouvi o barulho das chaves e a porta se abrindo. Álvaro havia voltado. Nunca fiquei tão feliz ao ouvir o barulho das chaves abrindo a porta. Jamais pensei que esse barulho fosse me trazer de volta à vida.
Abracei Álvaro e ali ficamos abraços. Chaves na mão. Porta entreaberta...